BEM VINDO

Seja bem-vindo. NIOAQUE NO CONTEXTO HISTÓRICO SÉCULOS XIX-XXI NA HISTORIA DO MATO GROSSO DO SUL Hoje é

sexta-feira, 7 de abril de 2017

DESCOBERTA DA ROTA FLUVIAL RIO BRILHANTE VARADOURO RIO NIOAQUE

A FUNDAÇÃO DA CIDADE DE NIOAQUE
8 DE ABRIL DE 1849












Joaquim Francisco Lopes, sertanista, empreendeu as suas primeiras viagens de exploração e reconhecimento por sertões de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso[1]  entre os anos de 1821 a 1841, das quais escreveu: Derrotas de Joaquim Francisco Lopes pelos sertões das Províncias de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso.

Entre  os anos de 1844 a 1847, empreendeu várias viagens de exploração e reconhecimento entre as quais, tomando posse de propriedades nos sertões sul mato-grossense, viajando oras por vias fluviais ora terrestres, entre as Províncias de São Paulo, Paraná e Mato Grosso, onde explorou a rede hidrográfica do rio Paraná e que lhe possibilitou a escolha da melhor via de comunicação fluvial entre os rios dessa Bacia com os rios  da Bacia  Hidrográfica do Baixo Paraguai.   Das quais também escreveu: Itinerário das Viagens exploradoras para descobrir uma linha de comunicação entre Antonina e o Baixo Paraguai, na Província de Mato Grosso.




[1] Atual território de Mato Grosso do Sul.  Sugiro ao leitor que leia a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, n° 1, Dezembro de 1998, Campo Grande Mato Grosso do Sul, parte 6, A Bandeira de Joaquim Francisco Lopes.

________

Então, o Barão de Antonina, através de Joaquim, que já possuía dois irmãos embrenhados nesta região, José e Gabriel, incumbiu de comandar uma Entrada ao Sul da Província de Mato Grosso e dar forma legal às posses pretendidas e descobrir a melhor ligação fluvial entre Antonina, na Província do Paraná  e a Vila de Miranda, no Baixo Paraguai, na Província de Mato Grosso.  Na época, a vasta rede hidrográfica entre os rios Paraná e Paraguai, lhe permitira essa escolha adequada.

_________


A expedição comandada por  Joaquim Francisco Lopes iniciada  no dia 03 de agosto de 1848, atinge a confluência entre os rios Nioaque e Urumbeva no “dia[1]  8 de abril de 1849”.

No dia 8 de abril de 1849, na confluência entre os rios Urumbeva e Nioaque, atingidas por Joaquim Francisco Lopes, deu-se à fundação inicial do povoado  de Nioaque.  Navegando através das águas do Nioaque até a foz, no lugar denominado de Forquilha e deste ponto em diante, através do Miranda, chegam à vila de Miranda, então distrito do Município de Corumbá.



[1] Data contida nos manuscritos que descrevem a História de Nioaque, encontrados nos arquivos da Prefeitura Municipal e escolas de Nioaque.

__________



Segundo Dr. Demosthenes  Martins[1]em carta enviada ao Sr. Dario Pires Peixoto, então Prefeito Municipal de Nioaque, em 1966, Demosthenes Martins, assim escreveu a respeito da Fundação de Nioaque:

“Campo Grande, 25 de Abril de 1966.

Prezado amigo Prefeito Dario Pires Peixoto,
Quando do convite para assistir às festividades do aniversário de Nioac que o calendário marca para 24 de maio,  adverti  ao prezado amigo de que já é tempo para retificar-se esse equívoco, que indica 24 de maio como data da Fundação da sua cidade.   E como lhe prometi naquela ocasião, aqui estão os elementos que informam a minha assertiva:

8 de abril de 1849, JOAQUIM FRANCISCO LOPES, (irmão do GUIA LOPES, José Francisco Lopes) assenhorou-se das terras entre o rio Nioac e um ribeirão que ele denominou de Urumbeba, onde fincou dois esteios de piúva, nos quais gravou o ano de 1849 e as letras B. A. referente ao nome do Barão de Antonina (João Machado da Silva), em honra a esse titular que era que lhe subsidiava as suas investidas pelo Sul de Mato Grosso no propósito de  fundar  posses para serem vendidas.   O relato de Joaquim Francisco Lopes relativo a este feito está inserido na Revista do Instituto Histórico Geográfico, consoante registra Episódios da formação Geográfica do Brasil, livro de Mário Monteiro de Almeida, nas páginas 209 e seguintes e respectivas notas.

            O próprio nome dado a Povoação, que em 1850, Joaquim Francisco Lopes iniciou, com a construção das primeiras casas foi a de São João de Antonina, como escreveu Previsto Columbia, em Homens Notáveis – O Sertanejo – Curitiba, 1870).   O nome Nioac, foi alterado para LEVERGERIA, pela lei provincial nº 506 de 24 de maio de 1877, que lhe atribuiu a categoria de Distrito de Paz.   Aí, talvez esta a razão de ser  de considerarem esse dia como sendo o da fundação de Nioac.  Veja o que registra a esse respeito à ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, Publicação do I.B.G.E.

            Portanto, meu caro Prefeito, retifique o equívoco em que nos encontramos e para o que estão à mão os subsídios de publicações merecedoras de todo o crédito. Há, ainda, o trabalho do Jurisconsulto Astolfo de Rezende na questão de terras em que ele foi advogado do Estado contra os herdeiros do Barão de Antonina. É a publicação  o Estado de Mato Grosso e as supostas terras de Antonina.

            Quando na divisão judicial da fazenda  da “FORQUILHA”, em que lutei durante 28 anos, como advogado dos seus posseiros, examinei detidamente uma enormidade de documentos nos arquivos de Cuiabá, Cáceres, Miranda e Nioac e fiz investigações em leis e publicações referentes ao desbravamento do Sul de Mato Grosso, eis que a posse da  FORQUILHA, filiava-se ao seu primeiro posseiro, Major João José Gomes, em casa de quem Joaquim Francisco Lopes estivera em Janeiro de 1849.

            Sem mais, um abraço amigo,

                                                                                  Demosthenes Martins”.



[1] Documento cedido por Dario Pires Peixoto, Nioaque, 1983.


________





“ITINERARIO[1]

DE

JOAQUIM FRANCISCO LOPES



Encarregado de explorar a melhor via de communicação entre a Provincia  de S. Paulo e a de Matto-Grosso pelo Baixo Paraguay

(Offerecido ao Instituto pelo seu socio correspondente o Sr. Barão de Antonina).”

1. A Sétima Expedição ou Entrada

            Joaquim Francisco Lopes realizou diversas Expedições oficial[2] seguindo sempre as ordens e financiamento do Barão de Antonina, destacando sempre o Itinerário das viagens exploradoras empreendidas para descobrir uma via de comunicação entre o Porto e Vila Antonina e o Baixo Paraguai na Província de Mato Grosso feita entre os anos de 1844 a 1847.

            A primeira Entrada entre Porto Feliz e Cuiabá, 1845.

            A segunda Entrada, em 1846, explorando a região do rio Tibagi.

            A terceira Entrada, 1846, continua a exploração pelas margens do Tibagi.

            A quarta Entrada, 1846/1847, exploração dos afluentes da margem esquerda do rio Paraná, Tibagi e Paranapanema.

            A quinta Entrada, 1847, exploração da região, margem esquerda do rio Paraná.

            A sexta Entrada, iniciada em 14 de junho de 1847, cujo objetivo principal foi o de descobrir um transito fluvial, embarcando no rio Tibagi para se chegar na então Província de Mato Grosso, através das trilhas e rios Paranaíba, Ivinhema, Vacaria, Miranda e Paraguai.   Nesta viagem, Joaquim Francisco Lopes fizera o reconhecimento de todas as terras no alto e embaixo da serra de Maracajú, rios Brilhante e Nioaque, Miranda, esteve nas sede das fazendas dos irmãos Antonio, Inácio e Francisco Gonçalves, como atesta o texto “O[3] rio Avinheima (ou tres Barras) tem a sua origem na serra de Maracajú, nos campos de Xerez ou Vaccaria, onde as suas vertentes principais são conhecidas pelos nomes de Vaccaria, Brilhante, Santa Maria e Dourados e fazem contravertentes com os rio Branco, Mondego (Miranda) Anhuac (Nioaque) e Aquiduano (Aquidauana)...”

            Esta sexta Entrada, sem dúvida, foi importantissima para o levantamento topográfico e fluvial entre o alto e baixo da serra de Maracajú tendo como referencial os dois rios, Brilhante e Nioaque, balizadores entre os extremos, para o rio Paraná e para o Paraguai, passando pelas terras que mais tarde dariam origem à fundação de Nioaque.   Mas este é o assunto da sétima Entrada, que será transcrita e comentada nos tópicos seguintes.

“Exm. Sr. Barão de Antonina[4]. – Havendo-se V. Ex, dignado de encarregar-me de ir fazer a setima exploração por conta do governo para verificar a possibilidade da abertura de uma via de communicação entre o Porto de Antonina e a Provincia de Matto-Grosso pelo Baixo Paraguay, tenho a honra e a satisfação de poder certificar a V. Ex. Por ver coroados os seus empenhos e os seus generosos esforços com esta magnifica descoberta, peço licença para lhe fazer uma rapida e succinta explicação da minha viagem, para que d'ella se depreenda o pouco que ainda resta a fazer afim de consolidar o muito que se realisou”.

2. Inicio da Sétima Entrada – Rumo a Fundação de Nioaque

            Dia 3 de Agosto de 1848 foi o inicio da Sétima Entrada que teve o embarque no ribeirão das Congonhas, afluente do rio Tibagi, este afluente do Paranapanema e este do Paraná, hoje em território do Estado do Paraná, com uma comitiva de 19 pessoas, distribuída em quatro canoas, participando moradores da Província de Mato Grosso e Comerciantes.

            “Depois de haver recebido de V. Ex as instrucções que a este respeito se dignou dar-me a 3 de Agosto de 1848, parti a embarcar-me, o que effectuei a 27 de Outubro do mesmo anno no ribeirão das Conconhas.

            Esta expedição cujo commando me estava confiado compunha-se de nove pessoas e de um interprete ou linguará[5] , que havia ido do Aldeamento de São João Baptista[6] Acompanhavam-se Francisco[7] Gonçalves Barboza, Paulo Rodrigues Soares e José Maria de Miranda, Moradores d'aquella provincia de Matto-Grosso e que na minha antecedente exploração me haviam seguido para esta Provincia e mais o negociante Antonio Felippe com seus camaradas ou homens de comitiva, e que perfazia ao todo dezenove pessoas embarcadas em quatro canoas.

3. A partida e algumas dificuldades – de Congonhas ao Paraná

            Destaca os problemas de navegação pelos rios pelo baixo volume de água, o encontro de uma enorme panela de barro e a separação do grupo, os Mato-grossense, Francisco, Paulo e José partem na frente, deixando Joaquim Francisco Lopes cumprindo parte da sua missão, ainda na região do Paranapanema, entre elas a da localização do local onde foi uma antiga missão jesuítica do século XVII.
            Debaixo de um céo benigno e ao aspecto de uma natureza magnifica e encantadora, começamos a nossa viagem, fazendo deslizar as canoas no remanço das águas do ribeirão das Conconhas, até irmos dar ao rio Tibagi; e depois de seguir este até a sua foz, sahimos no Paranapanema, demorando-nos n’esta viagem fluvial cerca de tres dias, por estarem os rios um  tanto esgotados[8], e ter-nos sido preciso abrir alguns canaes, dos quaes os mais baixos são os das Sete Ilhas e os baixios da Ilha de São Francisco Xavier, onde existiu a antiga Redempção d’este nome, fundada pelos Jesuitas,  e abandonada no anno de 1631.

            N'este mesmo dia percebemos que além do Paranapanema, cousa de duas legoas, se estava lançando fogo, e que folhas esvoaçando, vinham cahir nas aguas que abriamos, e mostravam ser de taquarys e arvores, e não de campos.  Conjecturo que este fogo fôra lançado pelos indios selvagens da nação Chavantes[9].

            No dia seguinte prosseguimos a viagem, passando felismente por canaes, travessões e baixios, até chegarmos á cachoeira das Laranjeiras, em cujo canal grande apenas passava o da a agua, e por isso tivemos de descarregar as canoas, e passa-las com algum custo pelas ondas que as aguas faziam por se acharem represadas n'este logar.    Depois de transportada as canoas para um logar mais distante, e havermos tornado a arrumar as respectivas cargas, fizemos pouso no mesmo lugar em que haviamos antecedentemente pernoitado com o Sr. Luiz Pereira de Campos Vergueiro, onde então suportamos alguns dias de tempestade.

            Poucos instantes depois de ali estarmos percorrendo alquiles lagares, uma pessoa da comitiva achou uma colossal panela de barro cozido, com dez e meio palmos de circumferencia e sete e meio de boca, bem trabalhada em roda ao que parece, por ser muito desempenada e regular no diametro, tinha apenas o fundo arruinado.

            Ao amanhecer do imediato dia continuamos viagem, passando uns rebojos de agua, e passando pelos baixios de Pirapó, fui abarcar-me defronte á sua embocadura no Paranapanema, com a resolução de ahi fazer estanciar as cargas, afim de ir dar principios ás explorações que me haviam sido recomendadas nas instrucções de V. Ex.

            Como eu teria de demorar-me, os companheiros de viagem Francisco Gonçalves Barboza, Paulo Rodrigues Soares e José Maria de Miranda, teimáram a prosseguir n'este mesmo dia a sua viagem, mostrando-se bastante dezejosos de chegarem a suas moradas, que ainda assim distavam d'aqui cincoenta e sete legoas no rio Vaccaria.

            Desembarcado, foi meu primeiro cunhado procurar os vestigios d'onde foi a Redempção de Nossa Senhora de Loreto abandonada pelos Jesuitas em 1631, e subindo pelo rio Pirapó[10], e encontrando com baixios e corredeiras, saltei em terra a examinar a propriedade do terreno e margens do rio, em que só achei mattos firmes proprios para cultura, boas madeiras, e abundancia de fructas silvestres, como laranja azedas, sem verificar onde foi a tal Redempção, o que só com o tempo e vagar se poderá descobrir; pois segundo algumas memorias deve estar situada neste rio, meia legoa acima da sua embocadura no Paranapanema.

            Este rio de Pirapó é correntoso, e o seu leito é de pedra, tendo boas proporções para ponte e passagem a váo”.

4. Do Paraná ao Ivinhema, a entrada pelo território mato-grossense e o encontro com os índios Caiuás

            Deixando as águas dos afluentes da margem esquerda do rio Paraná, Joaquim Francisco Lopes e comitiva, adentram ao território mato-grossense, através dos rios da margem direita, entre eles o Ivinhema.

            Este caminho  já era do conhecimento de Joaquim, da Expedição efetuada anteriormente, a sexta Entrada.    O encontro com os índios Caiuás é feita na base da troca de presentes, procedimento costumeiro desde os tempos do descobrimento do Brasil.

            É interessante, não só neste relatório das Viagens de Joaquim Lopes, as instruções para o abordamento no tratamento com os indígenas encontrados pelos caminhos, além dos presentes, pedia-se que os tratassem com cordialidade.   Em diversas passagens chama a atenção das autoridades do Império e da Província quanto ao abandono, o descaso que muitas populações indígenas se encontravam.

            Joaquim, além de sertanista, fora um defensor dos povos da selva.   Reconhece nos índios comportamento de beijar a mão, herança dos seus antepassados catequizados em aldeamentos, cuja pratica de beijar as mãos dos padres jesuítas era um procedimento de respeito à autoridade sacerdotal.  Pernoitam entre eles, comem dos seus alimentos, milho assado, paca assada, cará, tingas, etc. Faz referência interessante sobre a atividade agrícola de subsistência, pois são bons agricultores, produzindo milho, mandioca, abóboras, batatas, amendoins, jucutupé, caras, tingas, fumo, algodão.  Faz uma descrição geral sobre seus usos e costumes, armas, indumentárias, indústria, comportamento, atividades das mulheres.

            “No dia 12[11] regressei com chuva e continuei  minha viagem; e encontrando alguns baixios, cheguei a 16 no rio Paraná, atravessei-o com véla aberta, entrando á direita na foz do rio Samambaia, que subi até fazer pouso no bracinho dos Kagados, D’aqui continuei a examina-lo até desaguar no Ivinheima, por onde fui subindo até o dia 22, em que deparei com uma pequena canoa amarrada em frente  a uma ilha, onde estava um rancho e palhas de milho verde, pelo que julguei ser pouso de indios, que ali andvam pescndo, como indicavam os pesqueiros e canoas que depois fui encontrando.

            Chegando a um porto mais frequentado, e onde eu na antecedente viagem havia encontrado muitos indios Cayuas[12], de nação Guarany, soltei em terra com o linguará, levando algumas ferramentas e bijuterias,   Pouco depois encontrei-me com o Cacique Libanio, que vinha acompanhado de mais quatro indios, os quaes cumprimentei em lingua guarany e offereci as ferramentas que levava.    Em alegre recepção comemos alguma carne de paca assada, até que chegaram as canoas da minha comitiva, o que percebi pelo estrondo dos tiros; bem como chegaram outros muitos indios que por meu pedido o cacique havia mandado chamar para eu os presentear.

            Compenetrado da eficacia de um bom tratamento prodigalisado a estes pacificos filhos das florestas, eu me empenhei pôr por obra as salutares e constantes recommendações, que V. Ex. nos tem feito, de empregar sempre o meio da persuação e da brandura para com elles, por ser este o único meio de os chamar á communhão social.   Aos abraços que com affecto lhes dava, elles me correspondiam com confiança, buscando beijar-me a mão, o que attribui a costume herdado dos jesuitas, porque é muito provavel fossem instruidos seus antecessores, até que a extincção d’aquella ordem e as violencias que posteriormente contra elles se perpetraram os tornou a lançar n’esta vida uma abnegação selvagem, de que urge ao governo[13] de S.M.I. remi-los.

            Por via do meu linguará me dirigi especialmente ao cacique Libanio.  Este indio é de proporções atlethicas, alto, reforçado e de uma physionomia insinuante, respirando nas maneiras franqueza e magnanimidade, bem como em suas conversações muito tino e raciocinio.   Pedi que mandasse formar a sua gente em cordão e que estendessem  as mãos direitas, sobre as quaes eu fui repartindo os presentes que V.Ex. lhes mandava, sendo muito para notar que elles sem se atropellarem uns aos outros e mostrando a maior circumspecção, agradeciam á sua moda, e se mostravam muito contentes.   Ao cacique colloquei eu na cabeça um barrete vermelho, e cingi-lhe a tiracolo a caneta que serviu a V. Ex, quando commandante superior da guarda nacional, e com cujos presentes elle se mostrou muito satisfeito, a ponto de fazer com o corpo retirado algumas marchas de um para outro lado.   Depois de se lhes acalmarem um pouco estas impressões, disse-lhe por meio do linguará, que havia um grubixá que era tão protector e amigo dos indios, que o chamavam Pahy-Guassú, e que a gente da sua nação elle tinha aldeado e dando vestimentas, com que elles estavam satisfeitos e reunidos.   Que era elle quem lhes mandava aquelles presentes e que aquellas insignias tinham sido do seu uso e que por isso as estimasse.
            Pelas subsequentes perguntas que lhe fui fazendo, deprehendi que este cacique, de cujas boas disposições e pela cathegoria que parece occupar entre os mais caciques, de que é major, se podem colher grandes vantagens para a cathequese; elle tinha vindo muito criança do lado do Paraguay, confundindo-se assim n’aquellas hordas, até que a sua valentia e prudencia o elevou áquelle posto.   É casado, e á sua mulher elle chamava em máo portuguez mesclado de hespanhol D. Maria Roza do Rozario.   Segundo as proprias informações por elle dadas computo em quatro mil indios os por ali aldeados.    Há debaixo das suas ordens mais de sete caciques, e elle me disse que  sua gente era tanta como terra, o que dizia tomando punhados de terra entre as mãos e atirando-a.
           
            N’isto veio a noite, e nos dispuzemos para pernoitar aqui.  Uma rede de embira[14] me foi offerecida para descançar; bem como era presenteado a cada passo por elles, com milho assado, cará, tingas[15], etc.   A noite passei-a aqui em claro pelas impressões que havia recebido e mesmo por cutella, e ao amanhecer do dia 23 soube por intermedio do linguará com o cacique que Francisco Gonçalves Barbosa e seus companheiros haviam levado uns tres indios de sua nação que se achavam pescando, e os levaram para ajudar a pescar na canoa, por cujo trabalho lhes dariam roupa e ferramenta, mostrando-me um tronco de arvores onde vi escripto o seguinte: - Sr. Lopes. – D’aqui levo tres indios. – F. Barboza.

            N’isso chegou o cacique acompanhado de outras muitas indias, que eu recebi com presentes, com que ellas se mostraram muito satisfeitas.

            Caminhando depois d’isto para a aldêa, ficando aqui as indias.  Pelo caminho, em distancia de duas legoas encontrava familias que sabendo da minha chegada vinham apressadas satisfazer a  sua curiosidade de ver gente estranha e receber presentes, que com effeito fui repartindo.    Chegamos em fim ao aldeamento, impropriamente assim chamado, porque as casas acham-se disseminadas e como por bairros.  Entramos em um rancho coberto de caetê, sendo outros cobertos de folhas de jerivá[16].

            A aldêa é colocada entre as suas roças ou lavouras, que abundam especialmente em milho, mandioca, aboboras, batatas, amendoins, jucutupé, caras, tingas, fumo, algodão, o que tudo é plantado em ordem; e toda época é propria para a sementeira, porque vi milho a nascer, a emborrachar e a colher-se.  É porém esta paragem falta de agua corrente, e servem-se das produzidas pelas cacimbas.
            Incessantemente concorriam indios a visitar-me, aos quaes eu presenteava; e não obstante as distancias, em menos de vinte e quatro horas afluiram mais de cincoenta arcos, não contando o mulherio, os moços e crianças, que tudo orçava para mais de duzentas cabeças.

            O vestuario e  trage d’estes indios Cayuaz, é o mesmo que usam os indios de São João Baptista no aldeamento  do Rio Verde no municipio de Faxina[17].  Armado de Virotes, flexas e porretes, trazem  em  geral o beiço inferior furado, onde metem um  botoque de rezina, que pela sua cistallisação  imita o alambre.  São todos de boa presença e bem talhadas proporções physicas.   As mulheres occupam-se em fiar algodão para os vestuarios, torcem cordas de embira para uso da pesca e corda dos arcos; e de seus cabellos fazem uma tranças com que adornam a cintura de seus maridos ou irmãos, e o punho do braço onde bate a corda do arco, fazem também redes de ibirussú.   As mulheres enfeitam-se com caramujos imitantes a missangas, e de ossos  e de outras bijuterias, que ellas lançam ao pescoço e a que dão muito apreço.

            As informações mais que pude colher foram que alem do Ivinheima não havia hordas de coroados; que os terrenos que habitam vão até o Iguatemi junto á serra de Maracajú; que tem d’aqui um caminho por terra que vai ao Paraná, ao qual se deve seguir sempre pela terra firme e boa, desviando os pantanos; pela margem do Ivinheima tem muitos capinzais, e que d’aqui em quatro dias se sahe n’uma grande agua, ms que encontrando por ahi os indios cavaleiros, de quem se temem e com quem tem guerra aberta, não tem ido lá mais vezes.

            Estes indios não criam nem cães, nem galinhas; perguntando o motivo, responderam que o latido d’aqueles e o canto do gallo guiariam os inimigos para os atacar: criam bichos de pello e aves silvestres.

            N’este dia fiz que os homens de minha comitiva com os piazes ou indios pequenos, dançassem um sapateado á moda de Coritiba, que os indios muito apreciaram.    Durante todo o tempo de minha estada entre estes bons indios não houve obsequio que á sua moda elles não podigalizassem, e não foi sem emoção, e com promessa de nos tornarmos a ver que d’elles me despedi, o que verifiquei no dia 27, havendo lhe do todos os presentes de que eu podia dispôr, mesmo de minhas provisões e utensilios, como machados, enxós, goivas, etc, e não convinha expôr-me a mais demora por não ter com que brindasse os que depois concorressem, pois sei quanto se offende a sua susceptibilidade, quando não são tratados e brindados igualmente.

            Caçando, pescando e mellando[18] prosseguimos a viagem até pousamos no dia 28 á esquerda do rio onde chega o campo firme, no qual vimos perdizes, e a 29 chegamos á foz do rio Vaccaria.”

5. No rio Vacaria, o assassinato de Francisco Gonçalves Barbosa e outros pelos por três índios.
            Depois de uma estada agradável junto aos índios Caiuás e da informação da passagem dos Mato-grossenses radicados, Francisco, Paulo e José Maria, um acontecimento trágico abalou a expedição, foi o assassinato dos três viajantes por três índios da tribo Caiuás que deveriam servir de apoio durante a viagem até o alto da serra de Maracaju, no rio Vacaria e Brilhante.

            Com a morte dos três, houve além do abatimento de Joaquim e comitiva, uma mudança na missão, pois agora precisaria descobrir os autores e prende-los pela autoridade policial competente, que nesta época, ficava na Vila de Miranda,  hoje cidade e Município de Miranda.

            “Desde a margem do Paraná até a foz d’este rio os matos são por  vargeados e pantanosos estragados pelos fogos, que por um e outro lado elles tem lançado.

            No dia 29[19] subimos pelo Vaccaria,  e estando a almoçar, percebemos a esquerda uns corvo que esvoaçavam.   Curioso de ver o que era, para ali me dirigi, e um espetaculo de tremenda angustia se me antolhou; os cadaveres de meus companheiros Francisco Gonçalves Barboza, Paulo Rodrigues Soares e José Maria de Miranda, ahi estavam mutilados e já em estado de putrefacção.    O terror e a magoa que senti em presença d”esta scena não a posso descrever.  Alguma roupa de cama de pouca monta era o que ahi se divisava junto aos cadaveres; tudo o mais tinha sido roubado pelos tres indios autores d’este cruel assassinato, á excepção de quatorze  sacas de sal, que tinham deitado para o fundo do rio.

            Tomei a cabeça[20] d’estes infelizes assassinados e o restos de seus corpos sepultei, colocando-lhes em cima uma cruz.

            No dia 1º de Dezembro seguimos pelo Vaccaria que ia mui abaixo.

            No dia 6 cheguei a casa do fallecido Barboza, a cuja desventurada viuva dei a fatal nova da morte de seu marido, que a deixou na consternação que póde imaginar-se.

            No dia 7 seguiram as canoas para o porto do senhor Antonio Gonçalves Barbosa e d’ahi fui para a casa do Sr. Ignacio Gonçalves Barbosa[21], que se esmerou em obsequiar-me; e depois d’isso parti em direcção a Miranda, tendo alugado sufficientes animaes de monaria, em virtude das cartas de credito que V.Ex. me deu, as quaes muito me serviram para isto, e para comprar do preciso municio que gastava com minha escolta, conforme consta da conta  por mim assignada, que com esta entrego nas mãos de V. Ex.

6. Do rio Vacaria ao Miranda, à Vila de Miranda, 1849

            N’isto entrou o presente anno de 1849.

            A 2 de Janeiro continuei a viagem e a 3 encontrei dous indios um de nação Layana e outros Terena, que vinham de fazer uma correria nas matas do Iguatemi, nas margens do Paraná.   O fim d’estas correrias é captivar[22] outros, que sugeitam ou vendem, como antigamente se praticava com os infelizes indios, dando-lhes o nome de administrados.  Um d’estes indios com quem entrei em conversação portugueza me ministrou dados e informações que me pareceram exactas sobre o lugar da existencia da antiga  Redempção de Santo Ignacio, da qual há ainda vestigios nas vizinhanças dos rios  Amambahy-guassú e Escupli[23].

            No dia 6 cheguei a Miranda[24]  e foi o meu primeiro cuidado ir entregar as cartas e officios de V. Ex, bem como requer acto de  corpo de delicto nas cabeças dos infelizes assassinados, depois do que tiveram decente enterro com um acompanhamento o mais solemne que era possivel fazer-se em tal logar.”

7. De volta da Vila de Miranda a região do rio Vacaria

            Caracteriza pela exploração dos rios que nascem na escarpa oriental da Serra de Maracaju, todos afluentes do Rio Paraná: Dourados, Santa Maria, Brilhante.  Este último, o Brilhante tem sua nascente não muito longe da nascente do Nioaque, também na serra de Maracaju, porém na parte Ocidental, em baixo da serra.

            Nesta parte do texto é possível acompanhar a tentativa de Joaquim e comitiva de localizar no sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul, o caminho das antigas missões Jesuíticas que ocuparam parte do Paraná, São Paulo, Mato Grosso do Sul e do Paraguai, nos séculos XVI e XVII, onde eram aldeados milhares de índios.

            Destaca ainda o seu principal objetivo nesta sétima entrada: “o objeto principal da minha deligencia, qual o de            marcar a navegação e varadouro das aguas do Paraná para as aguas do Paraguay.”
           
            Oferece um dado histórico interessante sobre os nomes de origem atribuídos ao Rio Miranda: “Mbotethechu[25] ou Guaxihy, Mondego, segundo uma definição apresentada por Helio Serejo no Livro Nioaque um pouco da sua História, significa “Marrecos”

            “A 12 voltei para o Vaccaria: falhei a 13 na fazenda da Forquilha[26] e a 17 cheguei na fazenda do Taquarussú[27] e a 20 na Boa Vista, residencia do Senhor Barboza[28], onde tambem chegaram a 21 os meus cargueiros e comitiva; sendo preciso demorar-me aqui em aprestos para ir sufficientemente sortido, visto que ia fazer demoradas explorações em diversos pontos.

            No dia 12 de Fevereiro parti da Casa do Sr. Antonio  Gonçalves Barboza na diligencia de explorar os rios que da serra de Maracajú vertem para o Paraná, e passando o Brilhante fiz por elle todas as indagações até as faldas d serra, e depois passei a fazer iguaes exames no rio Santa Maria até a mencionada serra, pois é este que faz  contravertentes    com o Mbotetheu, hoje conhecido por Mondego ou Miranda, e por isso foi preciso navega-lo; e ultimamente passei a fazer iguaes indagações  no rio dos Dourados, então conheci que este rio, com quanto tenha bastante agua e grande espaço de navegação, vai fazer contravertente com o rio Appa que desagoa no rio Paraguay, onde há dous fortes dos Paraguayos, S. José e S. Carlos.                                                                                                                                                                                                                                                                                                    

            Como tivesse obtido as noticias que me deu o velho indio de Miranda, que entre as vertentes do Amambahy-guassú, Escupil, Iguatemi e Ivinheima havia ainda vestigios da Redempção de Santo Ignacio, estabelecida no tempo dos Jesuitas quando fundaram tambem Villa Rica e a cidade de Xerez, desci por terra com a minha comitiva atravessando uma grande camada de campo; porém este para os  fundos na direcção do rio Paraná tornou-se intransitavel  por causa de um  maugão[29] de muitos anos, que da altura de um cavalleiro se havia traçado de tal maneira que não havia cavallo, por mais robusto que fosse, capaz de o romper; e em tal caso não podia continuar a exploração para aquelle lado sem primeiro queimar esses campos e esperar que dessem pasto para os animaes de meu transporte, o que dependia de quinze a vinte dias de demora, e então me faltavam os mantimentos, que já n’esta occasião estavam bem diminuidos.
            Devo notar, que os rios Escupil e Iguatemi têem poucos galhos com origem  nos campos por onde passei e logo se perdem no vasto sertão de mato que borda este ultimo desde a serra de Maracajú até as Sete Quedas.   N’este giro que fiz, não me esqueceu de observar tudo quanto V. Ex. me havia recommendado nas instrucções de 3 de Agosto de 1848 e officios posteriores, e em consequencia caminhei muitas leguas, em diversos ramos, até achar uma antiquissima  estrada de carretas, que se conhecia pelo terreno que havia afundado aquelle trilho, que com custo fui seguindo, passo a passo, até entrar em uma matta para as cabeceiras do rio Iguatemi em direcção da serra de Maracajú, e então ficou intranzitavel esse caminho, por causa das tranqueiras e matto cerrado; porém pude de alguma maneira verificar que esta é aquella estrada que da Redempção de Santo Ignacio e Villa Rica seguia para a Villa de  Curuguaty, pertencendo ao Estado Paraguayo; pois confrontando esse rumo com o descripto na memoria que V. Ex. me havia dado do Hespanhol D. Manoel Antonio de Flores ao Marquez de Val de Lirios em 14 de Agosto de 1756, confere em tudo com o que observei.

            Continuei com minha digressão por campos desertos, atravessando algumas vertentes com aguas para os rios Escupil e Iguatemi até a serra de Maracajú, que mansamente me offereceu sufficiente subida; e nas contravertentes caminhando algumas legoas, certifiquei-me serem aguas do rio Appa tributario do rio Paraguay, e em consequencia a rumo da nascente pelo costão da serra de Maracajú, vertente do Paraguay, a procurar as cabeceiras do rio Mbotethechu ou Guaxihy, hoje conhecido por Mondego ou Miranda e aos mesmo tempo procurar esse sitio onde demorou a cidade de Xerez, abandonada em 1648.    Não achei vestigios que me orientassem para dizer com segurança – foi aqui – pois a campanha é espaçosa n’aquelle lugar e seria preciso cruza-la toda uma e mais vezes; porém há ahi uma lombada de arroios tributários do Mondego, onde necessariamente toda foi edificada essa povoação, de que só se poderá conhecer o logar quando aquelles campos se queimarem, e em seguida se fizer n’elles uma indagação minuciosa, o que eu não podia conseguir  por ser outro o objeto principal da minha deligencia, qual o de        marcar a navegação e varadouro das águas do Paraná para as aguas do Paraguay.”

O Mapa sinaliza em linha reta o trecho  balizado entre as duas Bacias Hidrográficas, a Leste o rio Brilhante que se conecta com o Rio Paraná e a Oeste, o A confluência dos rios Urumbeva e Nioaque que se conectam com o Rio Paraguai. Este trecho entre os dois pontos dos rios é denominado e era percorrido via terrestre. O Balizamento dos dois portos, deu origem a cidade de Nioaque.

8. Exploração das nascentes do Rio Miranda, rio Nioaque, Anhuac – 8 de Abril de 1849, o marco inicial da Fundação da cidade de Nioaque.
           
Até aqui, estamos transcrevendo toda a trajetória desta Sétima Entrada ou Expedição de Joaquim Francisco Lopes e Comitiva, para que o leitor possa viajar junto por estes sertões que só os índios o conheciam plenamente e que os primeiros homens bancos a pisar depois os espanhóis terem se retirados definitivamente foram membros de duas grandes famílias, os Barbosas e os Lopes, que até hoje deixam uma vasta descendência por todo o Estado do Mato Grosso do Sul.

            Entretanto, de todo o contexto deste documento, a parte principal para a nossa História Nioaquense e sul-mato-grossense é apresentar, aquilo que chamo de Certidão de Nascimento da cidade de Nioaque e de uma vez por toda transformar na data oficial do natalício de Nioaque.

            Este documento é o mais antigo e prova verdadeira sobre a data de 8 de Abril de 1849 como Fundação da Cidade de Nioaque e Joaquim Francisco Lopes o seu primeiro Fundador. No dia 8 de Abril, verifiquei o logar do embarque e desembarque no rio Anhuac, em um ponto onde se lhe ajunta um arroio a que puz o nome de Ubumbeva,  e ali finquei dois padrões de cerne Pinva[30], um na barranca do rio, outro no campo; onde gravei a era de 1849, e as letras iniciaes do nome e V. Ex. – B. de A. -

            Joaquim sinaliza o local para a instalação da povoação, na forquilha dos rios Nioaque e Urumbeva.   Exatamente, onde atualmente está situada a parte principal da cidade de Nioaque, está na topografia entre os dois rios.
           
            “Verificando-me que estava nas vertentes do Mondego, passei a examinar o maior braço d’elle e reconhecer sua possança, e com effeito achei que elle tem sufficiente agua para navegação; porém obstruido de muitas pedras e travessões que a tornariam difficilima; e depois verifiquei melhor a insufficiencia d’este rio, quando subi de Miranda uma canoa exploradora, que não pôde senão com custo vencer muitos tropeços, até que voltou sem concluir a subida.  Tendo feito quanto era possivel para bem examinar o mencionado rio Mondego, determinei fazer as competentes indagações do rio Anhuac  e para isso era necessario chegar a Miranda, afim de fornecer-me de tantas cousa que precisava; e dirigindo-me para aquelle presidio cheguei a 15 de março, tendo gasto n’esta exploração 32 dias de continuas marchas e contramarchas; porque atravessava em muitas partes campos desertos, e por consequencia era forçoso encontrar logares onde não podia passar com a minha comitiva a cavallo, e bagagem de cargueiros com municio[31].

            Cheguei a Miranda onde tive o prazer de achar o Sr. Major João José Gomes, que estando fazendo o serviço na cidade de Cuiabá, veiu com tres mezes de licença a estes lugares onde há pouco era meu digno commandante geral, e então mudáram-se as scenas a meu respeito, a bem da espinhosa commissão em que me achava; porque coadjuvado com toda a espontaneidade por este militar energico e dedicado a que se fanqueê esta via de communicação, tão recommendda por V. Ex, nas cartas que lhe dirigiu e de que eu fui portador, e então nada mais me faltou d’aquilo que estava ao seu alcance arranjar; visto a bem merecida influencia que goza em  todo o Baixo Paraguay, seja ou não d’ahi commandante.    Pedi ao Sr. Major uma canoa e alguns remeiros, o que elle fez appromtar com a brevidade que era possivel; de maneira que a 31 segui para a fazenda Forquilha, subindo o Mondego 16 leguas que em tanto calculei essa boa navegação; esta fazenda é do mencionado Sr. Major, e por consequencia elle  mandou franquear-me tudo quanto eu d’ella precisasse; e até mandou que seu capataz José de Campos e dois camaradas subissem também na canoa, por serem muito apto n’esse serviço, e eu subi por terra, costeando rio pela margem direita, visto ser tudo por campo, apezar de  coberto, como são quase todos da serra de Maracajú para o lado do rio Paraguay.

            No dia 8 de Abril, verifiquei o logar do embarque e desembarque no rio Anhuac, em um ponto onde se lhe ajunta um arroio a que puz o nome de Ubumbeva,  e ali finquei dois padrões de cerne Pinva, um na barranca do rio, outro no campo; onde gravei a era de 1849, e as letras iniciaes do nome e V. Ex. – B. de A. –

            Da fazenda Forquilha ao mencionado logar marcado para o desembarque haverá doze legoas, e para que fique a navegação franca, em todo o tempo, é preciso desobstruir algumas testas que fazem muitos, porém pequenos baixios, no tempo secco; mas são formados por pedras de pouca consistencia, quase tabatinga, e mesmo com algum pedregulho e pedras soltas que é facil empurar para os logares profundos do mesmo rio e ao mesmo tempo destrocar o leito de muitas madeiras que ali tem cahido, porque este rio corre mansamente e não as faz rodar na occasião das enchentes.

            D’este aprezivel logar com proporções para uma povoação colocadas da forqueta o Anhuac com o Urumbeva, fiz voltar a canoa e gente do Sr. Major, e eu com a minha escolta segui a atravessar a serra de Maracajú, deixando as águas do Anhuac e procurando as do Brilhante tributaro do Paraná.”

9. Joaquim Francisco Lopes Advogando em defesa dos índios sul-mato-grossenses

            Muito pouco estudado por pesquisadores sul-mato-grossenses a atuação de Joaquim Francisco Lopes junto aos Índios.   Considerando apenas o contexto diferente da missão, destaco a importância dos trabalhos de Joaquim Francisco Lopes com as do Marechal Candido Rondon.   Rondon, em missão oficial procurou integrar o norte e o sul do Mato Grosso através da construção das linhas telegráficas com o restante do Brasil, principalmente a Capital Cuiabá e o Rio de Janeiro.  Rondon contou com o apoio dos índios e foi seu defensor.     Joaquim Francisco Lopes, também em missão oficial, através do reconhecimento dos rios, da vasta rede hidrográfica dos dois principais rios, o Paraná e o Paraguai, procurou integrar o sul da então Província de Mato Grosso com o Paraná e São Paulo  e com a Capital Cuiabá e Rio de Janeiro.    Joaquim Francisco Lopes também contou sempre com o apoio dos índios e foi um dos seus defensores, procurando chamar a atenção das autoridades competentes do Império do Brasil de D. Pedro II para as condições que viviam os nossos índios, miséria e guerras.

            Joaquim Francisco Lopes, nosso  primeiro defensor da causa indígena.   A situação dos Caiuás dos tempos atuais, está pior que nos idos do século XIX.   Hoje, a maioria continuam vivendo na região do planalto da  serra de Maracaju por município de Maracaju, Dourados entre outros.   Vivendo pequenas áreas de terra, muitos nas periferias das cidades, as margens das rodovias, prestadores de serviços pelas fazendas, à margem e a exclusão social; hoje não são mais pressionados pelos Guaicurus de outrora, mas pela vida das cidades, pelo alcoolismo, pelos latifúndios, desmatamentos, explorações do trabalho.

            “Devo mencionar que enquanto caminhei no dominio das aguas da Paraguay atravessei campos cobertos de mui boa pastagem; porém logo que  estive nas vertentes para o Paraná elles são limpos e de uma vista encantadora, um céo benigno, um clima regular, bem proprio ao Pirituva onde V. Ex reside; sendo todo este aprazivel terreno regado de cristalinas aguas.   N’esta cochilha que faz divisão das aguas dos dous gigantes Paraná e Paraguay, passa o trilho os indios  Mirandeiros, que de tempo a tempo vão fazer suas correrias contra os pacificos Cayuaz, cuja causa em advogaria senão tivesse consciencia de nada valer; porém V. Ex, que se tem dedicado a favor d’estes infelizes Brazileiros, que vagando errantes pelas florestas, tem procurado trazer alguns a civilisação, não poupando fadigas e nem as despezas, de que sou testemunha; que por diversas vezes tem repartido o que com a mão prodiga lhes tem V. Ex mandado para ser entregue, quando por ventura os tenho abordado, como ainda agora aconteceu, conforme acima tenho descripto.

            Seria muito louvavel, que por intermedio de V. Ex. soubesse o Governo de S. Magestade Imperial as malversações e hostilidades que por vezes tem praticado os indios domesticados de Miranda, indo a caça dos Cayuáz que habitam a margem direita do Ivinheima até a esquerda de Escupil e Iguatemi, com o único fim de fazer prisioneiros os pequenos e algumas mulheres, em cujas occasiões o estrago e a morte se derrama nos bosques que servem de miseravel abrigo a estes infelizes, dignos de melhor sorte e de protecção do governo, a quem não podem chegar suas debeis vozes.”

10. A exploração do Rio Brilhante, a escolha do local para embarque e desembarque para chegar no rio Nioaque através do varadouro

             Joaquim Francisco Lopes  era um homem visionário com um tino aguçado de observação e uma natureza de ordem prática fundamental para esta  época.   Faz uma análise sobre as característica físicas da região que se encontra no alto e embaixo da serra de Maracaju.  

Analisa o tipo de clima, solo, vegetação, hidrografia, topografia apresentando as possibilidades do aproveitamento dos potenciais oferecidos pela natureza. O plantio da cana-de-açúcar, o café, o algodão tão necessário para o tear caseiro na confecção de vestuário  doméstico.   O plantio da cana-de-açúcar  vem ocupando na atualidade grandes áreas do Estado de Mato Grosso do Sul na produção de álcool e açúcar, Maracaju, Sonora, Naviraí.   Destaca com  veemência  a criação de gado vacum, cavalar e lanígeros, muito desenvolvido até os dias de hoje.   A salinidade natural do solo e da água na região do Baixo Paraguai é uma evidencia real e muito tem contribuído na criação de gado.

Joaquim realiza a exploração das nascentes do rio Brilhante e baliza o ponto extremo, onde serviria de apoio para a navegação entre os dois grandes rios, Paraná e Paraguai.   Brilhante, ponto extremo para inicio da navegação para o rio Paraná e o Nioaque, ponto extremos para  iniciar a navegação para chegar ao rio Paraguai através do Miranda.

O Varadouro – a serra de Maracaju, é o divisor natural das águas entre os dois rios.  Para transpor a serra fora balizado com um caminho de aproximadamente oito léguas, distância  que separa o Nioaque do Brilhante.  

O ponto no rio Nioaque, ficou denominado de “São João de Antonina” e o do rio Brilhante de “São José de Monte Alegre”.   O do Brilhante, estacionou. O de Nioaque, com a transferência do Corpo de Cavalaria de Miranda para cá, permitiu o crescimento do Povoado e subsiste até hoje.

            “Voltando a proseguir na exposição das explorações que fazem o objecto d minha viagem, direi a V. Ex.  que passando esse trilho dos indios  fui descendo mansamente a serra de Maracajú , atravessando pitorescos campos, enfeitados com capões sortidos de boas madeiras, e entrecortados com águas limpidas  que formam as cabeceiras do rio Brilhante.

            No empenho de procurar um logar azado para desembarque dos objectos que forem conduzidos d’esta provincia de S. Paulo, achei uma forqueta que faz no Brilhante um ribeirão grande a que dei o nome de Santo Antonio: as aguas  d’este braço com o do Brilhante, fazem uma largura de oito braças e um fundo de tres palmos, no tempo secco.

            Este sitio na forqueta dos dous mencionados ribeirões é o mais apropriado que é possivel  para se formar uma povoação, de maneira que em ambas as cabeceiras, digo cabeça de varadouro podem formar-se duas colônias ou prédios, com a differença unicamente do clima: porque em descendo a serra de Maracajú para o lado do Paraguay os campos são monotonos , e a maior parte cobertos, as aguas algum tanto salobras, e faz bastante calor, mas em compensação produz ali com vantagem a canna de assucar, que plantando uma vez não precisa replantar todos os annos, porque da soqueira ella dá melhor resultado por espaço de vinte e mais annos, e em conseqüência do clima da tambem  muito algodão e café; porém d’este há unicamente um pequeno principio de plantação transportada por alguns Mineiros que de proximo  tem ido habitar aquelles despovoados terrenos.
           
O gado vaccum, cavallar e lanigero  produz muito sem dependência de se lhes dar sal, o que não acontece n’esta bella campanha, que da mencionada serra procura a margem direita do grande rio Paraná, esse rio encantador, por causa das muitas ilhas de diversos comprimentos que por elle estão semeadas: de maneira tal que da nossa navegação, quando atravessamos para baixo na distancia de doze léguas, só n’um lugar em pude ver com certeza de um lado a barranca do outro.

            Marcado o logar do varadouro tive de fazer novas apromptações que era mister  para a navegação e sustento da minha escolta e das praças de pret de que era acompanhado por ordem do Exm. Sr. Presidente de Matto-Grosso, que apezar da distancia em que está a sua residencia  em Cuyabá deu todas as providencias  para que nada me faltasse afim de eu desempenhar esta árdua commissão, e por este motivo aceitará benignamente d’este fraco sertanista os mais sinseros agradecimentos que é possivel  dirigir-lhe, pois não tenho outros meios de reconhecimento.

            Forçoso foi outra vez valer-me das franquezas do Sr. Major João José Gomes, que estando ainda em Miranda ouviu minha supplica, e me mandou uma canoa de sessenta e um palmos de comprimento, quatro de boca e tres de fundo, que fiz atravessar o varadouro e que acommodou a minha escolta e dez praças de pret, e mais um linguará que me deu o sr. Furriel Antonio Dias Lemos, commandante do destacamento que me acompanhava.

            O novo varadouro terá oito a nove léguas: atravessei n’este pequeno trajecto uma pequenas restingas[32] de mata carrascal, a que chamam tavóca [33] que se encontra muitas vezes nos campos cobertos da serra de Marcajú para o lado do rio Paraguay

            No 28 de Junho apartou-se de mim o Sr. Furriel[34] com o resto da sua gente para ir embarcar no rio Vaccaria, no porto do Sr. Barboza, com meu companheiro de viagem Antonio Felippe e mais gente, inclusive uma familia  enferma que quis passar do Baixo Paraguay para esta Provincia; e eu com minha escolta, soldados e linguará embarquei no Brilhante para fazer  minha viagem, e nos encontramos na Juncção que faz o Vaccaria com o Ivinheima, o que verificamos no dia 12 de Julho, como adiante farei menção.

            N’este logar que marquei  e que ficou sufficientemente assignalado para o desembarque indo d’esta provincia, tem sufficientes capões com madeira e abundancia de alvenaria para se construir o caserio de uma grande villa entre esses dous esgalhos de arroios que mencionei, e por isso que é mui abundante de água (até para fabricas)  o mencionado logar.

            Finalmente embarquei no dia 29 de Julho, e comecei a descer o Brilhante, que no tempo secco offeece uma porção de baixios até o ribeirão da Cachoeira, que tem cinco braças de largo e tres palmos de fundo, porém com um repigente que de mais dous palmos de água desaparecem todos os baixios; mas por prevenção devem-se preparar os canaes, porque a mór  parte das pedras são movediças, e quebra com alavancas alguns travessõeszinhos para ficar franco: isso tudo não se torna custoso se for encarregado d’este serviço o Sr. Major João José Gomes que tem uma bem merecida ascendencia  nos indios Terenas e Layanas do Presidio  de Miranda, a quem póde fazer vir aquelles logares para desobstruir o Brilhante, enquanto demanda menos água, e tambem o Anhuac, e ficar franca a navegação na cabeceiras dos mencionados rios; e eu me offereço a coadjuva-lo por ter bastante pratica  da maneira com que fazem estes canaes.   Do embarque até este logar gastámos  cinco dias, e haverá seis léguas por causa das sinuosidades do rio.

            Continuamos a descer encontrando sempre diversos ribeirões de um e outro lado que vinham engrossar as aguas do Brilhante, até que chegamos no dia 5 ao arroio Sete Voltas, e no dia 7 ao rio Santa Maria, bastante Correntoso, com dez braças de largo e quatro palmos de fundo,  e de maneira que o Brilhante n’este logar tem vinte e cinco braças de largura, e d’aqui para baixo perde o nome pelo de Ivinheima.” 

11.      Joaquim Francisco Lopes retorna a aldeia dos índios Caiuás

Joaquim Francisco Lopes fora um estrategista e diplomata de fazer inveja aos atuais profissionais do nosso tempo.  O texto a seguir nos mostra essa lição.   O retorno de Joaquim para a aldeia dos índios Caiuás tinha um objetivo específico, identificar os autores do assassinato de Francisco Gonçalves Barbosa e seus companheiros, prendê-los e  conduzi-los para o presídio que se localizava em Miranda.  Depois de ter concluído a sua missão exploradora, que era a de encontrar um varadouro  entre Curitiba, Província do Paraná e Cuiabá, Província de Mato Grosso, através dos afluentes dos rios Paraná e Paraguai.   O que foi concluído entre os rios Brilhante e Anhuac, o Nioaque, além de balizar os dois pontos, um dos quais deu origem a atual cidade de Nioaque.

Na aldeia indígena, Joaquim reconquista a confiança do Cacique e sua gente, participam dos festejos próprios da sua cultura e depois arma uma estratégia para revelar o assassinato, apresentando as três cabeças que trazia em uma canastra, uma espécie de baú e em seguida solicita do cacique a colaboração para a identificação dos índios que ao invés de cooperadores transformaram-se em assassinos.

Nas entrelinha, Joaquim descreve como era a organização de governo dos Caiuás, destacando o cacique Libaneo como o Líder maior e a ele subordinado mais sete caciques.

“Da foz do ribeirão da Cachoeira á do rio Santa Maria , que ambos entram pela margem direita  tem oito léguas, e por terra cinco.

No dia 11[35] chegamos á foz do Dourados, que entra no Brilhante pela margem direita, com vinte braças de largura e oito palmos de fundo, mui correntoso, de maneira que todos estes ribeiros e rios fazem aqui a largura de quarenta e cinco braças.

Da foz do Santa Maria á do Dourados haverá por causa das voltas do rio quatorze legoas , e por terra oito, o que calculei quando descia com minha escolta por terra, conforme fica descripto.

Continuamos nossa viagem e a 12 com cinco legoas de navegação chegamos a juncção do rio Vaccaria, que entra pela margem esquerda do Ivinheima, com vinte braças de  largura; e ali achamos a escolta que desceu pelo mencionado rio Vaccaria, que reunida á que me acompanhava, fez o numero de quarenta e sete pessoas, inclusive vinte praças de pret.

A 14 seguimos em seis canoas que conduziam a mencionada gente e a 17 chegamos perto dos Indios Cayuaz, que dista do rio Vaccaria doze legoas; e me admirei de me achar ali uma cruz preparada e fincada por estes selvagens, que cada vez mais me convence de sua propensão a nosso respeito, e que com jeito, maneiras e muitos presentes do que necessitam se domesticaraõ  e aldearaõ  definitivamente n”este porto, que tem para isso as melhores proporções por causa de ser situado em terreno alto e arejado; com a vantagem de estar na confluencia  de um ribeirão de muito boa agua  que entre no Ivinheima pela margem direita.

Descarregarei as canôas  e fiz abarracamento n’este logar.  Parti depois em direção ao seu aldeamento, levando em minha companhia sete pessoas e o lingará.  Pelo caminho ia eu encontrando mais alguns ranchos que não tinha quando por ali passei, e alguns indios que eu não tinha visto, e que quando me avistavam deitavam a correr; sendo necessario  eu mandar-lhes gritar pelo linguará e annunciar-lhes quem eu era; o que os fez apasiguar.  Então um velho cego trajado com um cinto de pennas amarellas circundando-lhe a testa, com um instrumento feito de porengo[36] em uma mão e um pennacho de pennas de avestruz[37] na outra;  e uma velha com uma especie  de bandó[38]  na testa,  e um bumbo feita de taquaruçú, tocaram e cantaram a sua moda quanto lhes pareceu.   A estes sons apresentou-se no terreiro outro velho, que manejando, com o arco empunhado na mão esquerda e uma porção de flexas na direita, e me fez uma especie de continencia respeitosa  e de alegria conforme me explicou o linguará.  Ao cabo d’isto, abracei-os e comecei a repartir com elles tijolos de rapadura, de que levava uma grande porção.   Havia aqui uma especie de pia com uma cruz, e perguntando por via do linguará para o que aquillo servia, responderam que para  baptisar  as crianças.  Indaguei logo pelo cacique Libanio e soube que já o havia mandado chamar; e pelas quatro horas da tarde effectivamente chegou cançado de correr e alegre por este encontro.   Recebi-o com tiros de alegria e vivas, com o que elle se mostrou penhordo, dizendo-me que lhe havia promettido seis luas para voltar e que gastara oito, e que lhe parecia que eu me houvesse esquecido d’elle.    Certifiquei-o de minha amizade e perguntei-lhe por sua mulher.   Amanhã ella virá, me respondeu elle.   Fui repartindo os presentes, reservando para o immediato dia alguma porção, afim de obsequiar as mulheres e crianças.    Ajuntou-se lenha e ao calor de uma extensa fogueira nos deitamos, conversando e banqueteando grandes assados de charque, que havia tirado de minhas provisões, e que elles devoravam com grande appetite, restando para nós outros os presentes que elles me faziam de cará, mandioca, milho, etc.

Dispostos assim os animos, entrei eu com as necessarias  precauções, a indagar o assassinato perpetrado pelos tres indios nas pessoas dos meus infelizes companheiros.

Disse-lhe que desejava saber quem eram os indios que haviam acompanhado a canoa de Barbosa, por quanto parece que ella havia afundado e que não sabendo os meus companheiros nadar, e os homens d’elles muito bem, desejava em saber, onde e que se tinham perdido, etc.

De todas estas indagações deprehendi que os assassinos estavam entre elles e julguei prudente disfarçar e declinar para outra hora os projectos de captura-los, o que especialmente ali me tinha levado, porque urgia dar um exemplo de punição.

Dansas de homens e mulheres ao som de instrumentos de sua invenção, e de uma rebeca encordoada de tocum, a qual me disseram que possuíam elles de herança havia muito tempo, formaram o alegre entretenimento d’aquella noite.   O cacique cada vez me prendia mais com suas maneiras, e nenhum momento sahiu do pé de mim, dando-me em máo  portuguez o nome affectuoso de camarada.

Ao amanhecer do immediato dia fui ao encontro do cacique, a quem recebi com muitos vivas e tiros de alegria, trazendo ela na sua companhia sessenta a setenta pessoas, com quem reparti alguns presentes.

Ficando alguns na aldeia, fiz encaminhar os outros para o porto n’uma alegre romaria ao som de musicas, onde chegámos, sendo recebida a cacique e mulheres por uma familia de Matto-Grosso que commigo vinham para esta provincia.  Vestida a cacique com roupas que lhe offereceu uma familia, dispuz a gente da comitiva, e tratando tanto a cacique como seu marido com particular distincção, fiz-lhe as devidas continencias; depois do que nos puzemos a gozar um grande jantar que eu de antemão havia disposto.    Este dia passou-se n’uma geral alegria, e elles com as suas danças, e nós com cantarolas á moda de Curitiba e Cuiabá acompanhadas por violas.    

No dia 19, depois de um grande almoço, mandei puchar as canastras da barraca e trazel-as para o terreiro, pedindo ao cacique por intermedio do  linguará, que mandasse dispor a sua gente a dous de fundo o que elle fez, formei os soldados da mesma sorte em frente a elles e que tudo formava um parallelogrammo, a cuja cabeceira ficou o cacique, á minha direita, todo o restante dos indios  e de minha comitiva fechavam o fundo.

Tomando então um ar grave, como o caso pedia, fiz ver ao cacique, que os Indios que haviam acompanhado Barboza e seus companheiros os haviam assassinado, roubado e estragado o que elles conduziam em sua canôa .  Disse-lhe que o nosso governo mandava castigar a nós outos quando fazíamos mal a sua gente, e que assim  elle devia entregar os assassinos, para exemplo e para que elles todos não ficassem com a nota de matadores.

Quando eu havia acabado de expôr  este facto, seis de entre os indios sahiram á frente, e dirigindo-se ao cacique lhe disseram no seu idioma, quem eram os assassinos e aonde estavam, accrescentando que o terceiro, chamado Sandú, havia descido o rio na canôa  roubada, com sua familia e que é provavel que se fosse arranchar pelo lado do rio Sammambaia confluente no Paraná.

Ordenou então o cacique que uma grande escolta da sua gente fosse em busca dos dous delinqüentes e os trouxesse alli, o que elles fizeram, voltando a noute e trazendo os assassinos prezos.   Um chamava-se Manni, Marianno, e é sobrinho da Cacique e o outro chama-se Taringoá, Estevão.  Foram entregues ao commandante da nossa escolta, Sr. Furriel Antonio Dias Lemos, que d’alli os levou para seu destino até o forte de Miranda, ficando-me apenas quatro praças de pret para a minha guarda.

Penhorado com este testemunho de confiança e docilidade da parte do cacique Libaneo, dei-lhe muito conselhos para que admoestasse a sua gente, a fim de não fazerem mal a nós outros, que o mesmo lhe succederia.  Aconselhei-lhe igualmente que se aldeassem em logar mais conveniente e que contasse com a protecção do governo e com os favores do Pahy-Guassú, conforme já tem praticado com outros da  sua tribu, ao que elle mostrou vivos desejos de assim o fazer, pois que a sua gente era muita, e que elle tem subordinados na sua visinhança mais sete caciques.

A noite que precedeu a nossa despedida foi passada com solemnidade e tristeza e duas pessoas amigas que vão dar-se um adeos e talvez eterno.

Elle entrou na barraca onde estavam os prezos, e consolou-os, dizendo-lhes que não iam a morrer, mas sim que iam ser soldados.

Depois de um dia de falha para officiar as autoriddes esta captura e para fazer um rancho, onde deixei muitos viveres sob a guarda d’este cacique, e fazer differentes sementeiras de legumes, partimos com saudações de amizade.”

12.      Desfecho final

Depois de mais de 12 meses de expedição entre a data de partida e chegada, Joaquim e sua comitiva chegam ao final de uma das suas mais longas viagem de Exploração, reconhecimento e demarcação de pontos estratégicos.    Foram ao todo  120 léguas, aproximadamente 120 X 6= 720 km, setecentos e vinte quilômetros de distância percorrida, entretanto, somando ida e volta, teremos 720 x 2= 1.440, totalizando aproximadamente mil quatrocentos e quarenta quilômetros.

“Depois de trez dias de viagem abarraquei-me n’um bracinho do Paraná, que desagoa no Ivinheima, e daqui mandei uma deligencia com o fim de capturar o terceiro assassino, cujos signaes e informações me havia dado o proprio cacique.

No entanto que se fazia esta tentativa eu fui examinar no Ivinheima a melhor passagem para o melhor caminho de terra, que se projecta do  porto de embarque no Tibagy a atravessar o Paraná.

Caminhando por espaço de dez a doze legoas pelo baço direito do Ivinheima, lançando fogo  nos varjões, encontrei de surpreza, n’este transito uma familia cayuá que anda pescando, a qual não podendo evadir-se  no momento, approveitei o linguará para lhes gritar e dizer que não procuramos fazer-lhe mal, e que eu era aquelle já antes havia estado no seu alojamento com o cacique Libaneo, o que elles comprehenderam muito bem por ter sabido do meu encontro com o mencionado cacique quando há oito mezes subia o Ivinheima.

A mulher d’este índio era uma tagarella espirituosa que não cessava de falar com o meu linguará, para que me persuadisse de seu contentamento por encontrar brancos que não lhes faziam mal e que os tratavam muito bem: depois de demorar-me dua horas com esta familia, presentei-os com os fracos estoques que ainda tinha, dando-lhes porção de anzoes que muito estimaram para pescar com menos custo os peixes de que fazem seu  maior sustento; e então despedi-me d’elles, que  me ficaram observando até dobrar um estirão de rio.

N’esta paragem existe uma gruta natural, formando uma especie de casa, que tem commodidades para se abrigarem seis ou oito pessoas.

N’esta occasião verifiquei não ser possivel  tal caminho por terra; por que o braço do Ivinheima faz sua descarga no Paraná defronte a foz do rio Ivahy, dez legoas abaixo da foz do Paranapanema.

A 29 chegamos[39] ao abarracamento, onde encontrei a gente da diligencia que não hvia podido capturar o deliquente, que esta vez ainda me escapou; e assim reunidos, atavessamos no dia 31 o rio Paraná, e embarcamos no rio Paranapanema e a 13 de Agosto chegamos ao ribeirão das Congonhas, onde desembarcamos e mandei a fazenda do Sr. Jeronimo  pedir animaes de montaria e de carga para nosso transporte e d’alli fui supprido com outros para sahir do sertão, atravessando esta estrada de dez legoas, que V. Ex. já mandou fazer em minha ausencia  de maneira que a 3 de Setembro já me achava na fazenda da Fortaleza e salvo de tantos perigos que sempre offerece um sertão bravio e uma navegação feita a maior parte pela primeira vez, a qual passo a mencionar para conhecimento de V. Ex. e do governo, em nome do qual V. Ex me mandou, e a quem servi como pude, senão como devia.

Do presidio de Miranda, subindo o rio Mondego até a fazenda da Forquilha – 14 legoas.
Dessa fazenda, subindo o rio Anhuac, até onde marquei o lugar do desembarque – 12 legoas.
N.B. O Varadouro terá 8 a 9 legoas por campo.
Do porto de embarque que marquei no rio Brilhante, descendo até o ribeirão da Cachoeira – 6 legoas.
D’alli ao rio Santa Maria – 8 legoas.
N.B. N’esta juncção o Brilhante perde este nome pelo de Ivinheima.
Do Santa Maria ao rio Dourados       - 14 legoas.
Dos Dourados a foz do Vaccaria      - 5 legoas.
D’esta juncção ao porto dos indios Cayuás – 12 legoas.
D’alli descendo sempre o Ivinheima até o ferrado dos Kagados – 8 legoas.
Distancia do ferrado a sahir no Paraná          - 4 legoas.
Subindo o Paraná e atravessando-o até a confluencia  do rio Paranapanema – 3 legoas.
Subindo este até á confluencia do rio Tibagi – 24 legoas.
Subindo o Tibagi até o Ribeirão das Conconhas – 4 legoas.
D’alli ao nosso porto de embarque, na confluencia que o arroio Jatahy faz no rio Tibagi pela sua margem direita – 6 legoas.

Total do percurso – 120 legoas.

Ilmº e Exmº Sr. Barão de Antonina.

Joaquim Francisco Lopes,
Encarregado das Explorações.”











[1] Documento extraído da Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, vol 13 – 1850 – paginas 315 a 335, titulo: “Itinerário de Joaquim Francisco Lopes Encarregado de explorar a melhor via de comunicação entre a Provincia de São Paulo e a de Mato Grosso, pelo Baixo Paraguai, em 1848.  Cópia fotocopiada fornecida pelo Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul,  presidência de Hidelbrando Campestrini.  Transcrição, notas e comentários são da minha autoria, Julho de 2004.
[2] Revista do Instituto Histórico Geografico Brasileiro – ref. 10 – ano 1848, citados entre as p.153-160.
[3] Op. Cit p.174.
[4] No Capítulo III – há referências ao Barão de Antonia.  Sugiro a leitura
[5] Linguará ou linguaral, interprete dos brancos junto aos bugres e vice-versa.   Nesta época, a expedição passava  por territórios que estavam ocupados por diferentes grupos indígenas, dos rios Paraná ao Paraguai.   No contato com os indígenas se fazia necessário a presença de uma pessoa conhecedora do idioma dos brancos, o Português, e o dos índios.
[6]  São João Baptista no aldeamento  do Rio Verde no município de Faxina, Paraná.
[7] Francisco Gonçalves Barbosa, filho de Francisco Apolinário Gonçalves Barbosa, comerciante no século XVIII, na então Província e Minais Gerais, na região de Sabará. Irmãos de Antonio, Inácio, João Francisca Gonçalves Barbosa.Influenciado pelos Lopes veio residir próximo ao rio Vacaria com sua família e seus dez filhos, ainda menores e depois em baixo da serra de Maracaju.   Foi um dos pioneiros na ocupação das terras nesta região do Estado.  Sugiro a Leitura dos Livros: Os Barbosas em Mato Grosso, de Emilio Gonçalves Barbosa e Origem Histórica e Bravura dos Barbosa, e Ledir Marques Pedrosa.
[8] O mês de Agosto geralmente é um período extremamente seco com baixo índice pluviométrico, final do inverno para a Primavera, conseqüentemente, os rios possuem baixo volume de água e as vegetações estão mais secas, propicias aos incêndios.
[9] Atualmente os principais grupos de índios Xavantes estão localizados nas Aldeias do Estado de Mato Grosso, entre os Municípios de General Carneiro, Barra do Garças, Nova Xavantina.  Foram considerados grandes guerreiros e que resistiram em aceitar a catequização dos bancos.
[10] Rio Pirapó, atualmente localizado no Estado de São Paulo, afluente do Paranapanema.
[11] 12 de outubro de 1848.
[12] Os atuais Guarani se dividem em: Mbya, Ñandeva e Kaiowá – Caiuás – Atualmente no Os guarani-caiuás são cerca de 3 mil em Mato Grosso do Sul. Crianças são grande número da população.  Há grande maioria vivem em pequenas áreas, muitos são os desaldeados, vivendo as margens das rodovias, por exemplo Guia Lopes da Laguna – Maracaju, outros trabalhando em fazendas, usinas ou nas periferias das cidades.
[13] Governo de Sua Majestade Imperial, D. Pedro II.
[14] Embira,  um tipo de cipó, cuja casca fornece uma fibra, embira, que serve tanto para fazer amarrações.  Os índios usam para tecer as suas redes de dormir.
[15] Tingas, uma espécie de cágado, jabuti da água doce.  No texto, parece que é tratada como um tipo de vegetal, não encontramos outras referencia.
[16] Jerivá, o mesmo que jeribá, uma espécie de palmeira.  Caetê, o mesmo que caitê, hoje muito usada como planta ornamental
[17] No atual Estado do Paraná.
[18] Melando, é o mesmo que ir ao mato colher mel
[19] 29 de Novembro de 1848.
[20] Joaquim Francisco Lopes, enterra os corpos e leva junto com as sua bagagem as três cabeça, que servirá de prova mais tarde, uma atitude ousada e estratégica.
[21] Antonio  e Ignacio Gonçalves Barboza eram irmão de Francisco que fora assassinado  pelos índios e que ocupavam terras no alto e baixo da serra de Maracaju.   Por exemplo, onde se assentou a cidade de Nioaque, na ocasião fizera parte das Propriedades de Ignacio. Segundo Emilio Gonçalves Barbosa, os Barbosas em Mato Grosso, p. 19 “Doou mais tarde ao Governo da Província, uma gleba (Nioac) para um posto avançado de  exército, afim de deter o progresso da invasão paraguia, que ele previa, mais cedo ou mais tarde.  Deu-lhe  o nome de Santa Rita de Ainhauáque
[22] Capturar.
[23] Segundo os manuscritos  de Joaquim Francisco Lopes e John Henrique Elliot, cópia Im-fol 44 pag num ref Lata 92 – Pasta 10 – Documentos (copia cedida por Hidelbrando Campestrini) tras as referência quanto ao nome dos rios seus significado em denominação portuguesa e indígena. Assim temos: Paranapanema era chamado pelos indios Caiuás de Paculy.  O rio  Ivinheima era chamado pelos índios de Iraquy, Iraty, rio de muitas ondas.  Rio Amambaí  também  fora conhecido pelo nome de Samambaia, chamado assim  por causa das muitas samambaias que tinha nas suas margens.  Rio Claro, também chamado de  Escopil ou Ijahy, afluente do Iguatemi
[24] Neste Período de 6 e Janeiro de 1849, o Povoado e Miranda era o único núcleo urbano de todo este sul de Mato Grosso e possuía um destacamento militar.   As demais regiões estavam sendo ocupadas por posseiros e pelos diferentes grupos indígenas espalhados por todo o território do sul da Província de Mato Grosso.
[25] Há também grafia de Mobotetei.
[26] Na confluência do rio Nioaque no Miranda.
[27] Fazenda Taquarussú, o rio lhe empresta o nome. Hoje, no atual município de Nioaque.
[28] Antonio Gonçalves Barbosa.
[29] Capim nativo na região, que por não ser queimado, apresentava-se impenetrável.
[30] Piúva.
[31] Monícios, alimentação básica da comitiva.
[32] Restingas, Pequeno matagal, à margem de um ribeiro em terreno fértil.  Terra e vegetação que emerge do rio nas enchentes e inundações. Estreita e longa mata que separa dois campos de pastagem
[33] Tavóca, o mesmo que taboca, uma variedade de taquara.
[34] Furriel, posto militar, entre cabo e sargento do tempo do Império.
[35] Dia 11 de Julho de 1849.
[36] Conhecido por alguns pelo nome de cabaça, por outros de “porungo”.
[37] A ave silvestre abundante pelos campos do Mato Grosso do Sul, é conhecida pelo no de Ema, uma vez que a avestruz é uma ave de origem africana.   A Ema é conhecida como a Avestruz do Brasil em virtude da sua grandeza.
[38] Bandó  penteado feminino  que assenta dos dois lados da testa.
[39] 29 de Julho de 1849.




Nenhum comentário:

Postar um comentário