PANORAMA
1933
1933
Odilon Queiroz
Imagem do Livro do próprio Autor
“NO TRANSPIRAR DA VIDA”
POR ODILON QUEIROZ
MATERIAL DIGITADO – 2013
CAPÍTULO XXVIII
Introdução Neste Capitulo o Sargento Odilon retrata alguns aspectos que mudariam a história e a geografia para sempre, não só de Nioaque, mas de todo o Sudoeste do Estado, entre outros aspectos:
Construção da
ponte no rio Nioaque, próximo a onde está a atual:
A Construção do
Campo de Aviação;
A abertura da
atual Estrada que permite a ligação terrestre entre as cidades de Nioaque, a
Guia Lopes da Laguna, Jardim, substituindo a que passava pela região do Canindé.
Imagem rio Nioaque, ponte interliga as cidades de Guia Lopes Jardim. Adaptada do Google Pro 2016 - imagem de 20/04/2013 - JVD.
Em maio de l933, o 6o B.E. recebeu ordem de se deslocar para Nioaque[1] com a
missão de construir uma ponte de madeira de lei sobre o rio Nioaque, estradas
de rodagem, campo de aviação e proceder outros trabalhos de menores vultos que
deixo de citá-los.
Era o seu Comandante, o Major
Masson Jacques. O Comandante da minha Subunidade, (2a- Companhia)
Cap. Antônio Lopes Pereira.
A 1a, e 3a
Companhias, encontravam-se pela sede da Região Militar em Campo Grande,
empenhadas na construção do campo de aviação, na conservação e reparos de
estrada de rodagem até Ponta Porã e outros encargos.
Como a estrada entre Aquidauana e
Nioaque estava muito ruim, uma Seção de minha Companhia, da qual eu fazia
parte, ficou destacada na fazenda Conceição do Sr. Aureliano da Costa,
conhecido por Maneco do Padre, oito léguas de Aquidauana, (meio do caminho) a
fim de reparar aquela região, que de fato, a estrada, estava péssima. Ficamos
num engenho velho de fabricação de pinga e açúcar, cujos esteios de aroeira,
seguramente tinham 0,50 m de diâmetro e as paredes de tijolo muito grossas
também não se ajustavam direito. Essa muralha era baixa. No máximo, tinha 1,35
m de altura, para total penetração
de ar e claridade.
O chefe da Seção, era o 1o
Ten. Oyama Clark Leite. Fazia parte também à mesma, o 1o Sgt.
Francisco José Leite, (Sgt. Chiquinho) , o qual muito amigo do Sr. Aureliano e
de sua família. Ambos se instalaram na própria residência do fazendeiro e dela
desfrutaram o melhor conforto.
Essa habitação que é a sede da
fazenda – a “casa grande” – é muito boa. Estava caiada de branco e as portas e
as janelas de azul. O seu largo alpendre
ou varanda, só não tomava toda a frente do casarão, porque num canto, o
Sr. Aureliano faz um cômodo especial, que não era outra cousa senão, uma
capelinha destinada a imagem de Nossa S.
da Conceição, onde sempre havia novena e missa procedidas por padres de
Aquidauana. O grande pomar carregado de sazonados frutos a esperdiçar, era o
motivo do ajuntamento constante da
passarada ali desde o amanhecer, que feliz e livremente a revoar, cantava de
mais entoante no meio de tanta fartura.
Abastecida de água muito boa
extraída de um poço por moinho de vento que rodava sempre, tinha com abundância;
a caixa d’água que não era pequena, estava a derramar constantemente. À parede
de um oitão de um dos galpões também caiado de branco e que pega sol a bem
dizer o dia inteiro, onde os empregados preparavam-se para a lida das
obrigações a fazer, tinha um perfeito mostrador dum relógio desenhado bem no
alto, tendo no centro um eixo como um prego grande. O qual tido como ponteiro,
à claridade do sol, com o movimento natural da Terra, a sua sombra, a
caminhar girando em torno do eixo,
marcava as horas estampadas na face do respectivo desenho, assinaladas em algarismo romano.
Era o relógio dos peões. Era o
cronômetro certo dos que não tinham relógio, (si bem, em boa claridade do dia)
e, sobretudo, dos que, de passagem chegavam à fazenda. Era o cronômetro fiel do
“seu” Manéco do Padre – velho sertanista que o desenhou. Para mim, também, foi
muitas vezes relógio, principalmente quando aí cheguei a pé, com quatro léguas
já tiradas procedente do acampamento
Ipê, acompanhado dos soldados: Sebastião e Pernambuco, como eram conhecidos por
esses nomes, com destino à Aquidauana. O relógio marcava 11 horas passadas de
um sábado, e quando saímos da fazenda após o descanso que fizemos em
continuação da viagem, estava marcando meio-dia.
Depois de uns dias que aí cheguei, fui
a Aquidauana buscar a mulher que veio acompanhada dos filhos: Terezinha, Adalgisa e Manoel
Bernardino, tendo o mais velho apenas quatro anos.
Ocupamos um quarto da casa de um
peão da fazenda, casado, cedido a nós de bom coração. Chamava-se: Francisco
Oaci. Ambos ternos, moços ainda, de compleições fortes, robustos e sadios; de
cabelos pretos grossos e lisos, cor bronzeada, tocada de tênue palidez, não
podiam negar as puras e legítimas qualidades
do nosso aborígene. As suas dentaduras fortes, bonitas, alvas e
perfeitas, quais dentes superiores apenas, pontudos, visto que, são limados por
acharem bonito.
A índia tinha as feições delicadas
e a beleza natural da mulher sertaneja, tomava mais graça quando soltava seus
cabelos longos que atingia à cintura. Criada com a família do fazendeiro, gente
civilizada, distinta, e da melhor sociedade mato-grossense, nada devia a uma
boa dona de casa. Primava pela limpeza, asseio, e isto, espantava a pobreza que
caracteriza o empregado de fazenda. Sabiam ler e escrever corretamente.
Civilizados, eram, portanto. O bugre como peão, sua lida principal era de
campo; como um bom domador amansava animais xucros e bravios no grande e bem
limpo pátio da fazenda, todo de viçosa grama que se estende longe entre duas cercas
sombreadas por frondosos arvoredos.
Assim que o batalhão chegou à
Nioaque, o trabalho de maior vulto era o da construção da ponte sobre o rio
Nioaque e dos reparos da estrada entre Aquidauana e esta cidade, quais pontos
de primeira urgência: o grande aterro no córrego Formiga, as zonas da fazenda
Conceição e na região pantanosa do Carandazinho.
Concluído os trabalhos da região,
fomos recolhidos à Nioaque. Como não havia casa para alugar, arrumei um paiol
pertencente a residência do Sr.
Prudenciano Ferreira e joguei a família dentro, pois me acompanhava. Não dando
certo, porque ficamos a bem dizer juntos com porcos, cavalos e vacas leiteiras,
num dia construí um rancho de 7m x 3m na rua em que fica a agência dos Correios e Telégrafos Nacional,
na direção do campo de aviação, a 300 m da referida Agência. Resolvi esse
problema com uns soldados da turma denominada “Gato-Preto” – porque usavam
capote preto que recebera em S. Paulo. Era uma soldadesca danada. Todos
nordestinos, recém-chegados no Batalhão.
O alojamento deles ficava no prédio
da Maçonaria. Os principais elementos eram: Cara-de-Tigre, Telefone, Tabaco,
Cariri, Barreira, Pelado, Morcego, Pau-de-Obra, Mano, Baratinha, Carioca,
Teléco, Pescocinho, Pernambuco, Alagoano e Paraíba.
Uma turma de 15 soldados se dispôs
por camaradagem e farra, num Domingo, a fazer um rancho para o 2o
Sgt. Odilon que, em conversa com eles no serviço da construção do campo de aviação,
disse da sua necessidade em fazer uma cabana, e, por isso, combinaram entre eles,
construí-la no Domingo seguinte.
Assim que tomaram café pela manhã
do Domingo em referência, uns saíram para o campo com uma carreta puxada a
bois, pertencente ao Batalhão, a fim de cortar capim e transportá-lo, e outros,
para o local onde seria construído o
rancho, como se empenharam com absoluta disposição no preparo do terreno, na
escavação de buracos para os esteios, e no preparo do madeiramento a rachar
taguaruçu destinado as paredes, portas e janela, de vez que, esse material já
se encontrava no lugar.
O resultado foi, que à tardinha, o
meu rancho estava feito por esses soldados. Quando lhes agradecia, disseram-me:
“À boquinha da noite, estaremos na casa
do senhor para fazermos a mudança”.
Aí, lembrei-me que gente pobre só
faz mudança à noite.
Às 20 horas já estávamos dentro da
nossa morada acomodados e a mulher fazia o primeiro café no desajeitado fogão,
bastante úmido, que fumaçava, chiava no calor do fogo.
Esta choupana feita a galope, às
carreiras, de qualquer jeito, não podia ter uma coberta em condições de merecer
um voto apreciável. O capim sujo, mal colocado e mal apertado tal a pressa que
tinha em construir um rancho antes do anoitecer, não aguentava um barulhento
chuvisco. Molhava tudo. Mas fazia agradável sombra. Mesmo assim, sentíamos
felizes com a graça e a proteção de Deus. Moramos nele uma porção de meses.
Eu trabalhava, ora na construção do
campo de aviação, ora na construção da ponte, e às vezes, também, na abertura
da estrada que avançava com direção a
Jardim.
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O chefe da Turma de carpinteiros e
encarregado da obra da construção da ponte sobre o Nioaque, era o 1o-
Sgt. José Barbosa de Sousa. Este meu colega era um artista de mancheia. Sabia
fazer de tudo. Ora mecânico, ora serralheiro, ferreiro, carpinteiro, pintor e
mais alguma cousa. Enfim, Barbosa,, era o homem dos sete instrumentos e regia a
orquestra laboriosa das Oficinas, como
mestre entendido de todos os assuntos correlatos. Tipo alto, magro, meio
curvado, moreno bem escuro, cabelos pretos de leve ondulação, rosto oval com
algumas cicatrizes de varíola, olhos castanhos, fino queixo, espesso bigode a
torcê-lo sempre, de pouca leitura, contudo, grande oficial das expostas artes.
Gostava de tomar sempre bons aperitivos
de boa cachaça, cerveja, vinho, conhaque, o que tivesse... Por isso, às vezes,
passava da conta. A sua turma, (exceto alguns artífices) também muito
respeitada no copo, não ficava atrás.
A turma de carpinteiros constituía-se
mais de praças da Cia. Extra; porém, contava com os artífices da: 1a,
2a, e 3a Cia. no trabalho da construção da ponte e assim,
estava com grande efetivo. Seus elementos principais: 1o Sgt. José
Barbosa de Sousa, 3o Sgt. Manoel de Azevedo, serralheiro, mecânico,
competente nesta sua profissão, muito trabalhador, disciplinado, correta
pessoa, bom camarada e respeitável sargento pela maneira de se conduzir com
agradável seriedade. Rapaz de seus 28
anos, boa altura, mulato de cabelo crespo, compleição atlética e solteiro
ainda; 3o Sgt. Corneteiro Miguel Alegre, mas que, nesta construção
da ponte, trabalhava como pedreiro por ter
relativo conhecimento nesta arte;
cabos: Antenorzinho, Ambrósio, Luiz Bartolino, Pirarara e Miquimba; soldados:
João Pedro, Trajano, Blindado, Macaquito, Paulo, Oscar Branco, Cavalo Branco,
João Mário e Baiano.
Logo que os trabalhos da ponte
estavam bem adiantados, o batalhão recebeu ordens do comandante da Região Cel.
Newton Cavalcante a fim de se deslocar para a Fazenda Jardim. Em virtude disso,
o Cmt. do Batalhão Major Alberto Masson Jacques fez recolher a 3a
Cia. que se encontrava no setor de Campo
Grande, e sem demora lançou tanto ela como a 2a Cia. para abrirem a
estrada entre Nioaque e Fazenda Jardim.
Com melhores propósitos a respeito,
solicitou ao Cmt. Da Região, Cel. Newton Cavalcante, o recolhimento da 1a-
Cia. para lançá-la no trecho entre a cabeceira do Ariranha e rio Miranda –
Fazenda Jardim, o que fez incontinenti tão logo a sua chegada em Nioaque, tudo, para abreviar a execução
da abertura da estrada, a fim de dar cumprimento às ordens recebidas, visto
que, a via de comunicação que existia para Jardim, era simplesmente uma estrada
carreteira muito antiga e péssima que, nos tempos chuvosos, nem carro-de-bois
passava. Apesar de tais providências tomadas, o cel. Newton Cavalcante, achando
que o Major Masson Jacques não estava cumprindo direito às suas ordens como
devia, forçou drasticamente a coisa com a sua austera autoridade, e o
Comandante do Batalhão Major Alberto Masson Jacques, mesmo com as suas
justificativas, todavia dentro da rigorosa ética disciplinar, respeitável, como
Cmt. do Btl. atento ao cumprimento do seu dever, foi punido, e, em consequência,
recolhido ao quartel general em Campo Grande, e finalmente transferido como fora.
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[1] Nioaque:
“O nome completo é “Anhuac”; vem de duas
palavras da tribo dos Terenos e também usado pelos índios laianos e guanás,
originários do kinikinaos, índios que dominavam as terras firmes e montanhosas
do Urucum, Rabicho, Morro Grande, Piraputanga e Itambé”. A significação de
“Anhuac” é “anhu”, clavícula e “yac”. Quebrada; clavícula quebrada. Nos estudos
históricos que propus a fazer em 1906, sobre a região sul de M. Grosso, quando
sargento do 7o- Regimento de Cavalaria, visitando, em sua aldeia
estabelecida às margens do rio Urumbeba, disse-me o velho capitão dos índios
Vitorino, filho do célebre chefe índio Vitorino Jiboia, ambos famosos veteranos
da guerra do Paraguai, que o nome “Anhuac”, depois “Nioac”, originou-se da
queda que um jovem índio Terena sofreu quando montava um cavalo, tendo
fraturado a clavícula. Daí o nome de “Anhuac”, clavícula quebrada, com o qual
ficou sendo conhecida a atual cidade de Nioac. Em 1850, o imperador D. Pedro
II, para proteger a florescente vila de Miranda – hoje cidade a cabeça de
comarca – mandou fundar a Colônia
Militar de Miranda a 210 km mais ou menos, a S.W., tendo sido nomeado para
organizá-la o cap. Honório do Exército João Ribeiro e a sua fundação se deu em
23 de novembro daquele ano. O organizador viu a necessidade de se criar um
ponto intermediário entre vila de Miranda e a Colônia e resolveu fundar, em 23
de novembro de 1853, o povoado de Nioac, sob a invocação de Santa Rita, que
ficou sendo padroeira do lugar. O seu povoado foi feito com grande número de
índios aldeados no Urumbeva, Ariranha e de outros pontos próximos e por alguns
civilizados procedentes da vila de Miranda, de onde, por via fluvial, se
dirigiam à vila de Corumbá, à margem direita do rio Paraguai. Em 1848,
pareceram alguns aventureiros que, construindo ranchos e abrindo roças,
pretendiam se estabelecer à margem esquerda do rio Urumbeba, já na sua barra, e
a margem direita do rio Nioac, num povoado com a denominação de Santa Rita de
Leverger, escolhendo esse nome por ter
ali chegado, no dia dessa Santa. Entretanto, teve ali pouca duração, em
virtude de forte oposição dos índios Terenos, obedientes ao seu cacique
Vitorino Jiboia. Este acompanhado de seu filho e dos maiorais da tribo,
recebeu, condignamente, o Cap. João Ribeiro e as 21 praças do Exército que se
destinavam ao local conhecido por Jardim (nome que se conserva até hoje), a fim
de ser estabelecida a Colônia Militar de Miranda, em cumprimento às ordens do governo
imperial. Com o estabelecimento do ponto intermediário entre a Colônia e a vila
de Miranda, o Cap. João Ribeiro pode-se dizer fundou Nioac, conservando o nome
da padroeira, Santa Rita. Nioac se desenvolvia para uma linda e futura cidade,
quando a invasão paraguaia da divisão do Cel. Resquim, em dois de janeiro de
1865, veio corta-lhe o progresso, deixando-a em ruínas. (Apontamentos
históricos de Manoel de Pinho).
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