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domingo, 1 de maio de 2016

TÓPICO 15 - NIOAC E A PONTE SOB O RIO NIOAQUE 1933


PANORAMA
1933




Odilon Queiroz
Imagem do Livro do próprio Autor

“NO TRANSPIRAR DA VIDA”
POR ODILON QUEIROZ
MATERIAL DIGITADO – 2013
CAPÍTULO XXVIII

Introdução Neste Capitulo o Sargento Odilon retrata alguns aspectos que mudariam a história e a geografia para sempre, não só de Nioaque, mas de todo o Sudoeste do Estado, entre outros aspectos:


Construção da ponte no rio Nioaque, próximo a onde está a atual:


A Construção do Campo de Aviação;


A abertura da atual Estrada que permite a ligação terrestre entre as cidades de Nioaque, a Guia Lopes da Laguna, Jardim, substituindo a que passava pela região do Canindé.



Imagem rio Nioaque, ponte interliga as cidades de Guia Lopes Jardim. Adaptada do Google Pro 2016 - imagem de 20/04/2013 - JVD.

Em maio de  l933, o 6o  B.E. recebeu ordem de se deslocar para Nioaque[1] com a missão de construir uma ponte de madeira de lei sobre o rio Nioaque, estradas de rodagem, campo de aviação e proceder outros trabalhos de menores vultos que deixo de citá-los.

Era o seu Comandante, o Major Masson Jacques. O Comandante da minha Subunidade, (2a- Companhia) Cap. Antônio Lopes Pereira.

A 1a, e 3a Companhias, encontravam-se pela sede da Região Militar em Campo Grande, empenhadas na construção do campo de aviação, na conservação e reparos de estrada de rodagem até Ponta Porã e outros encargos.

Como a estrada entre Aquidauana e Nioaque estava muito ruim, uma Seção de minha Companhia, da qual eu fazia parte, ficou destacada na fazenda Conceição do Sr. Aureliano da Costa, conhecido por Maneco do Padre, oito léguas de Aquidauana, (meio do caminho) a fim de reparar aquela região, que de fato, a estrada, estava péssima. Ficamos num engenho velho de fabricação de pinga e açúcar, cujos esteios de aroeira, seguramente tinham 0,50 m de diâmetro e as paredes de tijolo muito grossas também não se ajustavam direito. Essa muralha era baixa. No máximo, tinha 1,35
m de altura, para total penetração de ar e claridade.

O chefe da Seção, era o 1o Ten. Oyama Clark Leite. Fazia parte também à mesma, o 1o Sgt. Francisco José Leite, (Sgt. Chiquinho) , o qual muito amigo do Sr. Aureliano e de sua família. Ambos se instalaram na própria residência do fazendeiro e dela desfrutaram o melhor conforto.

Essa habitação que é a sede da fazenda – a “casa grande” – é muito boa. Estava caiada de branco e as portas e as janelas de azul. O seu largo alpendre  ou varanda, só não tomava toda a frente do casarão, porque num canto, o Sr. Aureliano faz um cômodo especial, que não era outra cousa senão, uma capelinha destinada  a imagem de Nossa S. da Conceição, onde sempre havia novena e missa procedidas por padres de Aquidauana. O grande pomar carregado de sazonados frutos a esperdiçar, era o motivo do ajuntamento constante  da passarada ali desde o amanhecer, que feliz e livremente a revoar, cantava de mais entoante  no meio de tanta fartura.

Abastecida de água muito boa extraída de um poço por moinho de vento que rodava sempre, tinha com abundância; a caixa d’água que não era pequena, estava a derramar constantemente. À parede de um oitão de um dos galpões também caiado de branco e que pega sol a bem dizer o dia inteiro, onde os empregados preparavam-se para a lida das obrigações a fazer, tinha um perfeito mostrador dum relógio desenhado bem no alto, tendo no centro um eixo como um prego grande. O qual tido como ponteiro, à claridade do sol, com o movimento natural da Terra, a sua sombra, a caminhar  girando em torno do eixo, marcava as horas estampadas na face do respectivo desenho, assinaladas  em algarismo romano.

Era o relógio dos peões. Era o cronômetro certo dos que não tinham relógio, (si bem, em boa claridade do dia) e, sobretudo, dos que, de passagem chegavam à fazenda. Era o cronômetro fiel do “seu” Manéco do Padre – velho sertanista que o desenhou. Para mim, também, foi muitas vezes relógio, principalmente quando aí cheguei a pé, com quatro léguas já tiradas procedente  do acampamento Ipê, acompanhado dos soldados: Sebastião e Pernambuco, como eram conhecidos por esses nomes, com destino à Aquidauana. O relógio marcava 11 horas passadas de um sábado, e quando saímos da fazenda após o descanso que fizemos em continuação da viagem, estava marcando meio-dia.

Depois de uns dias que aí cheguei, fui a Aquidauana buscar a mulher que veio acompanhada  dos filhos: Terezinha, Adalgisa e Manoel Bernardino, tendo o mais velho apenas quatro anos.

Ocupamos um quarto da casa de um peão da fazenda, casado, cedido a nós de bom coração. Chamava-se: Francisco Oaci. Ambos ternos, moços ainda, de compleições fortes, robustos e sadios; de cabelos pretos grossos e lisos, cor bronzeada, tocada de tênue palidez, não podiam negar as puras e legítimas qualidades  do nosso aborígene. As suas dentaduras fortes, bonitas, alvas e perfeitas, quais dentes superiores apenas, pontudos, visto que, são limados por acharem bonito.

A índia tinha as feições delicadas e a beleza natural da mulher sertaneja, tomava mais graça quando soltava seus cabelos longos que atingia à cintura. Criada com a família do fazendeiro, gente civilizada, distinta, e da melhor sociedade mato-grossense, nada devia a uma boa dona de casa. Primava pela limpeza, asseio, e isto, espantava a pobreza que caracteriza o empregado de fazenda. Sabiam ler e escrever corretamente. Civilizados, eram, portanto. O bugre como peão, sua lida principal era de campo; como um bom domador amansava animais xucros e bravios no grande e bem limpo pátio da fazenda, todo de viçosa grama que se estende longe entre duas cercas sombreadas por frondosos arvoredos.

Assim que o batalhão chegou à Nioaque, o trabalho de maior vulto era o da construção da ponte sobre o rio Nioaque e dos reparos da estrada entre Aquidauana e esta cidade, quais pontos de primeira urgência: o grande aterro no córrego Formiga, as zonas da fazenda Conceição e na região pantanosa do Carandazinho.

Concluído os trabalhos da região, fomos recolhidos à Nioaque. Como não havia casa para alugar, arrumei um paiol pertencente a residência  do Sr. Prudenciano Ferreira e joguei a família dentro, pois me acompanhava. Não dando certo, porque ficamos a bem dizer juntos com porcos, cavalos e vacas leiteiras, num dia construí um rancho de 7m x 3m na rua em que fica  a agência dos Correios e Telégrafos Nacional, na direção do campo de aviação, a 300 m da referida Agência. Resolvi esse problema com uns soldados da turma denominada “Gato-Preto” – porque usavam capote preto que recebera em S. Paulo. Era uma soldadesca danada. Todos nordestinos, recém-chegados no Batalhão.

O alojamento deles ficava no prédio da Maçonaria. Os principais elementos eram: Cara-de-Tigre, Telefone, Tabaco, Cariri, Barreira, Pelado, Morcego, Pau-de-Obra, Mano, Baratinha, Carioca, Teléco, Pescocinho, Pernambuco, Alagoano e Paraíba.

Uma turma de 15 soldados se dispôs por camaradagem e farra, num Domingo, a fazer um rancho para o 2o Sgt. Odilon que, em conversa com eles no serviço da construção do campo de aviação, disse da sua necessidade em fazer uma cabana, e, por isso, combinaram entre eles, construí-la no Domingo seguinte.

Assim que tomaram café pela manhã do Domingo em referência, uns saíram para o campo com uma carreta puxada a bois, pertencente ao Batalhão, a fim de cortar capim e transportá-lo, e outros, para o local onde seria  construído o rancho, como se empenharam com absoluta disposição no preparo do terreno, na escavação de buracos para os esteios, e no preparo do madeiramento a rachar taguaruçu destinado as paredes, portas e janela, de vez que, esse material já se encontrava no lugar.

O resultado foi, que à tardinha, o meu rancho estava feito por esses soldados. Quando lhes agradecia, disseram-me: “À boquinha da noite, estaremos  na casa do senhor para fazermos a mudança”.

Aí, lembrei-me que gente pobre só faz mudança à noite.
Às 20 horas já estávamos dentro da nossa morada acomodados e a mulher fazia o primeiro café no desajeitado fogão, bastante úmido, que fumaçava, chiava no calor do fogo.

Esta choupana feita a galope, às carreiras, de qualquer jeito, não podia ter uma coberta em condições de merecer um voto apreciável. O capim sujo, mal colocado e mal apertado tal a pressa que tinha em construir um rancho antes do anoitecer, não aguentava um barulhento chuvisco. Molhava tudo. Mas fazia agradável sombra. Mesmo assim, sentíamos felizes com a graça e a proteção de Deus. Moramos nele uma porção de meses.

Eu trabalhava, ora na construção do campo de aviação, ora na construção da ponte, e às vezes, também, na abertura da estrada que avançava  com direção a Jardim.

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O chefe da Turma de carpinteiros e encarregado da obra da construção da ponte sobre o Nioaque, era o 1o- Sgt. José Barbosa de Sousa. Este meu colega era um artista de mancheia. Sabia fazer de tudo. Ora mecânico, ora serralheiro, ferreiro, carpinteiro, pintor e mais alguma cousa. Enfim, Barbosa,, era o homem dos sete instrumentos e regia a orquestra laboriosa  das Oficinas, como mestre entendido de todos os assuntos correlatos. Tipo alto, magro, meio curvado, moreno bem escuro, cabelos pretos de leve ondulação, rosto oval com algumas cicatrizes de varíola, olhos castanhos, fino queixo, espesso bigode a torcê-lo sempre, de pouca leitura, contudo, grande oficial das expostas artes. Gostava de tomar  sempre bons aperitivos de boa cachaça, cerveja, vinho, conhaque, o que tivesse... Por isso, às vezes, passava da conta. A sua turma, (exceto alguns artífices) também muito respeitada no copo, não ficava atrás.

A turma de carpinteiros constituía-se mais de praças da Cia. Extra; porém, contava com os artífices da: 1a, 2a, e 3a Cia. no trabalho da construção da ponte e assim, estava com grande efetivo. Seus elementos principais: 1o Sgt. José Barbosa de Sousa, 3o Sgt. Manoel de Azevedo, serralheiro, mecânico, competente nesta sua profissão, muito trabalhador, disciplinado, correta pessoa, bom camarada e respeitável sargento pela maneira de se conduzir com agradável  seriedade. Rapaz de seus 28 anos, boa altura, mulato de cabelo crespo, compleição atlética e solteiro ainda; 3o Sgt. Corneteiro Miguel Alegre, mas que, nesta construção da ponte, trabalhava como pedreiro por ter  relativo  conhecimento nesta arte; cabos: Antenorzinho, Ambrósio, Luiz Bartolino, Pirarara e Miquimba; soldados: João Pedro, Trajano, Blindado, Macaquito, Paulo, Oscar Branco, Cavalo Branco, João Mário e Baiano.

Logo que os trabalhos da ponte estavam bem adiantados, o batalhão recebeu ordens do comandante da Região Cel. Newton Cavalcante a fim de se deslocar para a Fazenda Jardim. Em virtude disso, o Cmt. do Batalhão Major Alberto Masson Jacques fez recolher a 3a Cia.  que se encontrava no setor de Campo Grande, e sem demora lançou tanto ela como a 2a Cia. para abrirem a estrada entre Nioaque e Fazenda Jardim.

Com melhores propósitos a respeito, solicitou ao Cmt. Da Região, Cel. Newton Cavalcante, o recolhimento da 1a- Cia. para lançá-la no trecho entre a cabeceira do Ariranha e rio Miranda – Fazenda Jardim, o que fez incontinenti tão logo a sua chegada   em Nioaque, tudo, para abreviar a execução da abertura da estrada, a fim de dar cumprimento às ordens recebidas, visto que, a via de comunicação que existia para Jardim, era simplesmente uma estrada carreteira muito antiga e péssima que, nos tempos chuvosos, nem carro-de-bois passava. Apesar de tais providências tomadas, o cel. Newton Cavalcante, achando que o Major Masson Jacques não estava cumprindo direito às suas ordens como devia, forçou drasticamente a coisa com a sua austera autoridade, e o Comandante do Batalhão Major Alberto Masson Jacques, mesmo com as suas justificativas, todavia dentro da rigorosa ética disciplinar, respeitável, como Cmt. do Btl. atento ao cumprimento do seu dever, foi punido, e, em consequência, recolhido ao quartel general em Campo Grande, e finalmente transferido como fora.

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[1] Nioaque:  “O nome completo é “Anhuac”; vem de duas palavras da tribo dos Terenos e também usado pelos índios laianos e guanás, originários do kinikinaos, índios que dominavam as terras firmes e montanhosas do Urucum, Rabicho, Morro Grande, Piraputanga e Itambé”. A significação de “Anhuac” é “anhu”, clavícula e “yac”. Quebrada; clavícula quebrada. Nos estudos históricos que propus a fazer em 1906, sobre a região sul de M. Grosso, quando sargento do 7o- Regimento de Cavalaria, visitando, em sua aldeia estabelecida às margens do rio Urumbeba, disse-me o velho capitão dos índios Vitorino, filho do célebre chefe índio Vitorino Jiboia, ambos famosos veteranos da guerra do Paraguai, que o nome “Anhuac”, depois “Nioac”, originou-se da queda que um jovem índio Terena sofreu quando montava um cavalo, tendo fraturado a clavícula. Daí o nome de “Anhuac”, clavícula quebrada, com o qual ficou sendo conhecida a atual cidade de Nioac. Em 1850, o imperador D. Pedro II, para proteger a florescente vila de Miranda – hoje cidade a cabeça de comarca – mandou fundar  a Colônia Militar de Miranda a 210 km mais ou menos, a S.W., tendo sido nomeado para organizá-la o cap. Honório do Exército João Ribeiro e a sua fundação se deu em 23 de novembro daquele ano. O organizador viu a necessidade de se criar um ponto intermediário entre vila de Miranda e a Colônia e resolveu fundar, em 23 de novembro de 1853, o povoado de Nioac, sob a invocação de Santa Rita, que ficou sendo padroeira do lugar. O seu povoado foi feito com grande número de índios aldeados no Urumbeva, Ariranha e de outros pontos próximos e por alguns civilizados procedentes da vila de Miranda, de onde, por via fluvial, se dirigiam à vila de Corumbá, à margem direita do rio Paraguai. Em 1848, pareceram alguns aventureiros que, construindo ranchos e abrindo roças, pretendiam se estabelecer à margem esquerda do rio Urumbeba, já na sua barra, e a margem direita do rio Nioac, num povoado com a denominação de Santa Rita de Leverger, escolhendo esse nome por ter  ali chegado, no dia dessa Santa. Entretanto, teve ali pouca duração, em virtude de forte oposição dos índios Terenos, obedientes ao seu cacique Vitorino Jiboia. Este acompanhado de seu filho e dos maiorais da tribo, recebeu, condignamente, o Cap. João Ribeiro e as 21 praças do Exército que se destinavam ao local conhecido por Jardim (nome que se conserva até hoje), a fim de ser estabelecida a Colônia Militar de Miranda, em cumprimento às ordens do governo imperial. Com o estabelecimento do ponto intermediário entre a Colônia e a vila de Miranda, o Cap. João Ribeiro pode-se dizer fundou Nioac, conservando o nome da padroeira, Santa Rita. Nioac se desenvolvia para uma linda e futura cidade, quando a invasão paraguaia da divisão do Cel. Resquim, em dois de janeiro de 1865, veio corta-lhe o progresso, deixando-a em ruínas. (Apontamentos históricos de Manoel de Pinho).

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