Relatório da Câmara Municipal de Nioaque do
ano de 1894
“Relatorio da Camara Municipal
de Nioac[1]
Eminente cidadão
Cumprindo o dever que me é imposto pelo artigo 27 do § 24 do Decreto
n.º 21 e 29 de Janeiro de 1872, venho apresetar-vos o meu relatorio sobre as
occorrencias havidas n’este Municipio durante o semestre findo.
1 – Salubridade Publica
O estado sanitario do Municipio foi durante todo o anno e está sendo o
melhor possivel, não havendo aparecido as doenças e epidemias que nos
municipios visinhos costuma acontecer. Os cuidados da hygiene, não são poupados
aqui para evitar-as.
A falta de púz vaccinio, apesar das deligencias feitas por diversos
cidadãos d’este Municipio tem motivado a não se achar ainda vaccinados o grande
numero (quasi a sua maior parte), dos habitantes do municipio, porquanto por
parte d’esta Camara que consta com os valiosos serviços dos cidadãos Dr.
Antonio José de Castro, medico do 7º Regimento de Cavallaria, aqui estacionado
e do pharmaceutico contratado, Lino Viegas de Oliveira, que não regateiam
esforços para attender aos meios preventivos a evitar os effeitos da terrivel
“Variola”, tem havido o maior empenho em obtel-a de bôa precedencia, porem
improficuamente.
Geralmente, o púz vaccinico, que aqui chega, é sempre estragado, de
maneira que não se tem tirado resultado algum, ficando d’este modo a população
exposta a semelhante mal se por desgraça elle aqui manifestar-se.
2- Tranquilidade Publica
Posto que seja pacificada a indole do povo d’este Municipio, todavia
torna´se necessario e urgentemente um destacamento a disposição da policia para
afastar e punir os crimes exercidos mais pelos adventiceos refugiados dos
Estados visinhos e da Republica do
Paraguay, para este Districto do que pelos moradores d’este Municipio.
Só com os recursos da força publica, nem sempre se pode evitar ou punir
os criminosos, com a auzencia d’ella,
elles se fazem mais sobranceiros. Alem da falta d’este elemento de ordem, se
nota mais a falta de uma cadêa, afim de eviatar que tao importante sejam
recolhidos os prezos civis no calabouço do 7.º Regimento de Cavallaria, como
até aqui tem acontecido, por absoluta necessidade e este mesmo, porem, quando é
consentido pela autoridade militar.
3- Instrucção Publica
Grandissimos são os desejos d’esta Camara de cooperar para o
desenvolvimento e aperfeiçoamento da instrucção da juventude d’este Municipio.
A construcção e um estabelecimento, escola municipal, que tantos
beneficios que traria para o ensino da mocidade, tem sido objectivo de
constante d’esta Camara e de há muito se teria realizado, á não ser a
deficiencia de fundos que actualmente dispõe e que mal chega para os gastos
geraes e de suppra attenção, conforme vos offereço a prova com balancete junto.
Em todo o Municipio só existe uma Escola Mista, costeada pelo Estado, dirigida
pela incansavel e honesta professora, Dona Maria da Conceição d’Oliveira Netta,
a qual leciona de modo satisfatorio, em relação as dificuldades com que luta.
Há em outros pontos do Municipio algumas Escolas, estas funcciona com
os esforços dos habitantes locaes, mas sem constancia e em vista d’isto, sinto
dizer que a instrucção publica se encontra em grao muito atrazada n’este
Municipio, construindo para isso a sua vasta extensão e dessiminação dos seos habitantes
e esta Camara com toda franqueza nada pode fazer a respeito por falta de
fundos.
A escola d’esta Villa é bem organizada e frequentada e os dicipulos
mostram aproveitamento.
Deve o ensino primario muito á cooperação efficaz e gratuita do prestimoso
cidadão Dr. Antonio José de Castro, que
promove por todos os meios o desenvolvimento e progresso da mocidade
Nioaquense, já leccionando particularmente, já auxiliando a digna professora,
tornando-se por isso, merecedor da gratidão e louvor da publica administração.
Outras necessidades, alliás imperiosas é a do recenseamento escolar,
por meio do qual se poderia melhorar avaliar a grande quantidade de analphafeto
e o grande abandono que jazzem muitos meninos d’este Municipio, pela auzencia
das escolas primarias.
Entretanto. Creio não errar muito, affirmando de que andará longe de
oitocentos o numero de crianças aptas para frequentar escolas.
Chama-se para este magno assumpto a esclarecida attenção de Vossa
Excelencia.
4- Obras Publicas
Acha-se em promptificação o plano d’esta Villa, que tem proporções para
uma bonita e futura cidade, pelo incansavel
e prestimoso agrimensor d’este Municipio, cidadão Capitão Arthur
Cavalcante do Livramento.
Pelo mesmo cidadão esta sendo contruido um meridiano no centro do Largo
Principal, em frente ao quartel.
As muitas indispensaveis obras que são mysteres como sejam: casa para
Camara, escolas, cadêa, algumas pontes, mercado, açougues, estão ainda em
projecto, porque os rendimentos não autorisão gastos.
A iniciativa particular, porem tem angariados fundos para a construcção
de varios edifficios de utilidade comum de
grande necessidade para os povos do Municipio, devido ao espirito
philantropico de varios cidadãos, está sendo de construcção, um edifficio
destinado para collegio n’esta villa, tendo-se mandado vir um professor
habilitado para dirigil-o. Para a edificação da Igreja Catholica, já existem
não pequenas quantias arrecadadas e para murar o cemiterio publico, está
depositada não pequena soma.
Tudo isso prova a generosidade d’esta importante zona.
5-Finanças
Nada se encontra mais deploravel do que o estado financeiro do
Municipio, que actualmente mais contribui para a prosperidade dos coffres do
Estado.
É contristado e seria mesmo para desesperar se tal estado de cousa
prolongar-se o que não é possivel
suppôr-se, pois que um Municipio novo, onde tudo está por fazer, onde
medra a ignorancia por falta das necessarias escolas, onde estradas são as que
a natureza creou naturalmente, que precisa de edifficio apropriado para o Paço
Municipal, que tem urgencia de casa para cadêa civil, que não pode dispensar a
construcção de algumas pontes, reclamadas com instancias e outros serviços, é
contristado repito, ver-se que em breve terá de estender-se a mão indigente
para pedidos auxiliares pecuniarios aos coffres estaduaes afim de manter-se.
Sinão a totalidade, ao menos uma grande parte das rendas estaduaes,
cuja prosperidade é digna de nota, são
fornecidas pelos productos industriaes d’este municipio, que entra para o
orçamento do thesouro com o melhor da sua seiva. Sem querer negar o valioso
concurso dos seos irmãos, cujo futuro brilhante os aguarda um porvir não mui
remoto, ninguem deixará de reconhecer que d’este Municipio é que são tiradas as
maiores contribuições de nossa lei tributaria, não seria exagero dizer que é
uma injustiça exhaurir todas as suas fontes de
receitas só em proveito dos coffres estaduaes e em prejuizo grave do
Municipio, que ficou d’esta fórma completamente
aniquilada.
Sem meios de agir, sem poder enfrentar as suas mais
palpitantes necessidades, asphixiadas pelo pezo de tantas e tão graves
responsabilidades, nada podera emprehender em prol d’eta zona riquissima e
debatendo-se no circulo de ferro de seos apuros, verá nullificada a sua razão
de ser, desapparecendo como está sendo a sua constitucional autonomia por esta
fórma cercado.
Em um municipio com este, destinado aos maiores progressos
e vehiculo das relações comerciaes do Sul do Estado, São paulo, Minas, paraná e Rio de Janeiro e
ligando ao Paraguay com as melhores relações, para o desenvolvimento de uma via
ferrêa, pelas grandes planicies que estendem em grande parte de sua riquissima
zona, cuja producção agricola precisa de ser animada com a abertura de vias de
communicação, para diversas partes... O atrophiamento das suas rendas, seria o
seo completo aniquilamento, secando assim uma das melhores rendas do Estado.
Urge por isso chamar criteriosamente a attenção de Vossa
Excelencia para assumpto de tanta magnitude e para elle solicito a fraternal
cuidado com que costuma zelar aos
negocios da administração que foi entregue as vossas sabias mãos.
Ninguem melhor que Vossa Excelencia, pensa que será um
engano crasso e de amargas desillusões, o querer enriquecer as arcas do
thesouro, desamparando e atrophiando as fontes onde esse mesmo thesouro vai aurir os seos
recursos, isto é, os Municipios.
Se são devidos os meios necessarios aquelles para a
manutenção dos serviços á seo cargo, não é menos verdade, que o Municipio, base
de toda a organização do actual regime, precisa e muito não morrer a mingôa,
dos meios que lhe são indispensaveis tambem e que elle vê tirar de si para
levar a plethora algures.
Contribuindo pois, este Municipio para o Estado com toda
renda da exportação da herva-matte e gado vaccum e não tendo a aurir fontes de
receita para as suas mais palpitantes necessidades, lançou mão de um pequeno
tributo, sobre o principal objecto dos
seos productos e decretou o imposto de 200 réis por cada 15 kilos de
herva-matte extrahida, conforme conta do orçamento, que em tempo tive a honra
de submeter a apreciação de Vossa Excelencia, como se vê essa contribuição em
nada affectará ao dinheiro de exportação cobrado pelo fisco estadoal.
Pelo junto balencete avaliará V.Exa. de que modo, sem este
imposto essa camara poderá administrar, zelar e melhorar o estado material
d'este Municipio. Pela lei do orçamento já citada está demonstrando que a
receita foi calculada em Rs. 35:344$000 e as despesas em 35:504$000, figurando
na receita a renda presumivel do imposto da extracção da herva-matte dentro do
Municipio em 30:000$000 Rs. Esta arrecadação ainda não foi feita e ignoro eu a
razão, officiei ao agente municipal de Ponta-Porã que me respondesse co
urgencia qual o motivo posto que fosse elle nomeado em dias do mez de Outubro
do corrente anno.
Por ora, esta Camara desfalcada em quantia de verbas Rs.
30:000$000 (extracção da herva-matte), não poude por em execução os
melhoramentos que carece fazer no municipio. De modo que por grande que seja a
economia d’esta Camara, a não se realizar a cobrança d’aquelles direitos,
verificar-se-há o alcanse e ficarão frustado todos os esforços para a
manutenção dos serviços dos melhoramentos municipaes.
Essa Camara roga-vos o vosso formal apoio em todos os pontos
mencionados como feita afim, de que não se veja este Municipio na forçosa
contingencia de solicitar uma subvenção do Estado para a sua modesta
existencia.
6- Registros de Terras
Iniciando em 2 de Junho findo tem se apresentado numero
regular de declaração para registro das terras occupadas por particulares e se
não fôra de juiz commissario devido ao falecimento do cidadão que occupava
semelhante lugar, já muitas terras estarão legitimadas, contribuindo isto
bastante para as rendas geraes do Estado. A vastidão do Municipio e sua
crescida população fazem crer impossivel poder se ultimar no prazo marcado pela
lei a medição e demarcação das terras
sujeitas a esta formalidade.
Por isso, tomo a
liberdade de suggerir a este fim em duas circunscripção de juizes commissarios,
podendo o Distrito de Campo Grande, só por si formar uma dellas, tão vasto é
elle.
São estas as principaes occorrencias que interessando mais particularmente a
administração municipal, submetto a Vossa elevada consideração.
Paço da Camara Municipal da Villa de Nioac
31 de Dezembro de 1894”.
O Intendente
João Luiz da Fonseca e Moraes
Saude e Fraternidade.
Ao
Eminente Cidadão
Dr. Manoel José Murtinho
Dignissimo Presidente do Estado
[1]
Cópia fornecida pelo arquivo publico do Estado de mato Grosso, em Cuiabá, ano
de 1984, Centro Político e Administrativo, correspondência enviada a partir de
Nioac.
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