ABORDAGEM - 5
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TEMPO DO SINEMA MUDO E PRETO E BRANCO
SONORIZAÇÃO FEITA POR MIM.
SONORIZAÇÃO FEITA POR MIM.
5.3.4.1 A CAMINHO DO PARAGUAI E A RETIRADA DA FAZENDA LAGUNA
a) A Caminho de Laguna
b) A Retirada da Laguna
c) A Doença o Cólera
d) Mudança de direção
e) Cambarace
f) Falecimento do filho do Guia Lopes e do Pai, José Francisco Lopes
g) O Falecimento dos Comandantes Camisão e Juvêncio
h) Travessia do rio Mirandas
i) Na fazenda Jardim
j) Encontro no Canindé
l) Marcha sobre Nioaque
m) a Segunda ocupação e destruição da Vila de Nioaque pelos Paraguaios.
n) A explosão na Igreja
o) A Caminho de Canuto
“Parte dada pelo Commandante Interino das Forças em Operação no Sul de Matto-Grosso, que invadiaram o territorio paraguayo, Major José Thomaz Gonçalves, ao Presidente da Provincia de Matto-Grosso, Dr. José Vieira Couto Magalhães, em officio de 16 de junho de 1867.
Ilmo. Snr. - Tenho a distinta
honra de dirigir a V.Exa., a participação dos acontecimentos que acabam de
dar-se por occasião da retirada á que se via obrigada a força operadora no Sul da Provincia de Matto-Grosso, depois de
invadido o territorio Paraguayo por effeito da occupação do Forte de Bella
Vista.
Rio
Apa e o Forte Bella Vista. - Esboço tirado pelo Visconde de Taunay quando do
ataque da Coluna brasileira a esta fortificação paraguaia a 21 de abril de
1867. É o único documento iconográfico existente sobre a Retirada da
Laguna."
(A
Retirada da Laguna - Affonso de E. Taunay)
Os soldados brazileiros n’aquella delicada operação de guerra luctaram com os
mais estupendos obstaculos que se
puderão imaginar: tocaram ao auge dos sofrimentos e á um tempo viram-se a
braços com um inimigo encarniçado, com a mais horrivel epidemia que flagella a humanidade, o cholera
morbus, que numa proporção assustadora de victimas n’um só dia atacou
mortalmente ao chefe da expedição Sr. Coronel Carlos Moraes Camisão e ao seu
immediato o Tenente Coronel Juvêncio Manoel Cabral de Menezes. Este facto que acabrunhou por momentos a
officiaes e soldados, collocou-me de subito á frente da briosa e martyr columna
operadora, lançando-me sobre os ombros o mais pezado cargo que jamais tocou a
um militar. Como Capitão mais antigo,
Major de Commissão, assumi immediatamente o commando com a responsabilidade
immensa das graves circunstancias que me rodeavam.
Relato profunctoriamente á V. Exa. Os factos
extraordinarios que se succederam no seio destas forças, apresentarei o quadro
veridico sempre - ás vezes sublime, outro medonho e negro, de tudo quanto a sorte adversa poude em
poucos dias suscitar contra a nosso diminuta porção de bravos.
No dia 21 de abril, entraram as
forças brazileiras sob o comando do Coronel Camisão no Forte Paraguayo de Bella
Vista, que foi desamparado pela sua guarnição á vista de nossas bandeiras: feito glorioso para as nossas armas a qual já
deve estar no conhecimento do Governo Imperial, e que encheo de justo orgulho
ao chefe da nossa expedição.
5.3.4.2 A Busca de
Gado na Fazenda Laguna
Desde o dia da occupação,
começando-se a fazer sentir a falta de gado, mandava a prudencia que fosse
effectuada uma prompta retirda sobre Nioac que era a nossa base de operações
que algum tanto inconsideravelmente fôra deixada, apenas protegida por uma
pequena guarnição, visto como mesmo a diminuta porção de 1500 a 1600 soldados, não
permittia distrahir muitas praças por occasião de avançar contra o
inimigo. Entretanto, o Coronel
Camisão, tendo tido informações dos fugitivos brasileiros, os quaes como V.
Exa. Não ignora, se achavam entre nós desde 11 de abril, que a 3 ½ leguas de Bella Vista, n’uma Fazenda do Presidente López havia grande
quantidade de gado (Fazenda Laguna), não trepidou em avançar, dando ordem de
marcha ás forças no dia 30 do mez acima citado. Como subordinados, obedecemos de bom grado a
resolução de nosso chefe, tocando-me tão sómente como commandante do corpo e
cumprir os deveres difficeis que a todos exigia aquelle passo brilhante, porem
algum tanto arrojado.
Visão Panorâmica da "Fazenda Laguna" - Atual
"Estancia Arroyo Primero", do
Departamento de Amambay, Paraguai.
Imagem Google Earth Pro 2016.
Data da Imagem 05/09/2005 – Adaptação e copilação JVD
O inimigo que occultava a sua força, retirou-se como
sempre, deixando-nos a estrada franca até
a Invernada da Laguna, onde acampamos, a
8 ½ leguas do rio Apa, na
esperança de obter algum gado. Varias
vezes foram os nossos batalhões proteger aos campeiros, sendo sempre
incomodados por partidas de cavallaria, as quaes sem fazerem frente a nossos soldados,
impediam, comtudo, totalmente a execução do que pretendiamos.
Foi, pois,
pouco desvanecendo-se a esperança que nutria o Commandante das forças, a
qual, depois de resolver levantar acampamento quis, contudo, por uma surpreza
audaz, ir bater o inimigo, acampado a mais de legua e cujo numero era ainda
desconhecido. Encarregados desta
honrosa missão foram o Batalhão n. 21 de Infantaria que eu tinha a ufania de
commandar e o brioso Corpo de Caçadores a Cavallo, que tem a sua frente o
denodado Capitão Pedro José Rufino.
Na madrugada de 6 de maio (1867) foram
os paraguayos accordados ao som de nossas descargas, sendo incontinentemente
occupado o acampamento inimigo. Gloria
immensa coube a nossa soldadesca! O
entusiasmo era indescriptivel! N’esse occasião, os paraguayos desmascaravam
a força de que dispunham. Mais de 700
cavalleiros, carregaram por vezes a Infantaria Brazileira, ao passo que duas
boccas de fogo atiravam sobre ella innumeros projecteis. As partes destes combates vão juntas e minuciosamente relatam
os seus brilhantes episodios. Muitas lanças, armas, cavallos, arreios e
ponchos revieram para o nosso acampamento, pois que haviam os dous corpos
recebidos a ordem para se retirarem, apenas o inimigo cedesse o campo.
O dia (41)
7 passou-se sem novidades, bem que um
temporam violentissimo acompanhado de chuva torrencial, como tinhamos tido nos
dias 4 e 5 fizesse suppôr dever-se esperar uma revendita da parte do inimigo.
5.3.4.3 A Retirada da Laguna
No dia 8 de maio ás 7 horas da
manhã começou a força a mover-se,
sendo logo tiroteiada fortemente por
infantes, emboscados em uma mattinha, os quaes, porem cederam á bizarria do Corpo de
Caçadores a Cavallo que d’ella os expelliu, apezar das de Cavallaria que o
obrigarm a formar circulos parciaes até a chegada de uma grande Divisão do
Batalhão n. 20 que com uma bocca de fogo correu em seu auxilio. O campo de acção ficou em nosso poder. Enterramos os mortos, foram n’elles curados
os feridos, e seguiu-se avante, havendo previamente o Coronel Camisão adoptado
a seguinte ordem de marcha: O Corpo de Caçadores a Cavallo que trabalhava a pé
por falta de cavalhada, na frente, seguido por uma peça de Artilharia; na
retaguarda, o Batalhão n. 17 de voluntarios da Patria; no flanco esquerdo, o
Batalhão n. 20 de Infantaria; e no direito o
Batalhão n. 21, ficando comprehendida no centro d´este Corpo toda a bagagem que marchava protegida, alem d’isso por duas
fileiras de carros puxados por bois.
As quatro peças de
Artilharia, puxadas tambem por bois, vinha debaixo da protecção de cada um dos
Corpos, caminhando este pesadissimo trem com extraordinaria lentidão. Os paraguayos estenderam então a linha de
atiradores por todos os lados, frente, retaguarda, flancos fazendo continuado
fogo calibre 3 e 6 muito aligeirada e puxada por cavallos, tomava rapidamente
posição, procurando incessantemente offender-nos a marcha deste dia, de 2 ½ leguas, effectuou-se sempre ao som da
artilharia e fuzilaria, conservando comtudo, a força brazileira a attitude a
mais firme possivel, cabendo a nossa Artilharia pelas eminencias que occupou e
d’onde varias vezes fulminou o inimigo, o mais importante papel n’essa jornada
gloriosa.
V. Exa. Conhece perfeitamente os perigos de uma
retirada diante de uma cavallaria ousada, quando a infantaria não tem para
oppôr aos ataques d’ella alguns esquadrões resolutos. A força moral que o soldado perde por
effeito de um movimento retrogado, tem de ser substituido pela coragem continua
e esforços incessantes.
Mil e tresentos combatentes á pé
não podiam desprezar setecentos homens perfeitamente montados e que dispunham
da artilharia extremamente movel. Por
isso, o dia 8 de maio deve ser considerado um brilho feito de armas: por isso
só se por ventura fosse esse feito o único na história da força operadora em
Matto-Grosso, mereceriam os seus officiaes e soldados a attenção benevola do
paiz.
No dia 9 raiou com o troar do canhão e
da fuzilaria de uma extensa linha de atiradores inimigos; entretanto, as
posições que tomou a nossa artilharia e as perdas que experimentaram os
contrarios com os nossos tiros, fizeram com que a entrada no forte de Bella
Vista fosse-nos facil e os paraguayos
não procurassem nos deter os passos.
5.3.4.4 De regresso ao solo brasileiro
O dia 10 foi de descanso, effectuando-se a 11 pela
manhã a passagem do Apa, com a qual gastou a força mais de 4 horas pela
quantidade de animaes e carros que passaram de uma margem a outra. As 9 horas começou na ordem adoptada
anteriormente, caminhando-se perto de tres quarto de leguas sem avistarem-se
inimigos.
Entretanto, os terrenos
prestavam-se perfeitamente ao movimento da cavallaria por serem ligeiramente
ondulados e abertos em todos os sentidos.
Observou-se por isso o maior cuidado,
prevendo qualquer tentativa em que fosse ainda experimentado o valor
brazileiro. Na realidade ás 11 horas
do dia foi repentinamente atacada a linha de atiradores do Batalhão n. 17 de
Voluntarios da Patria que marchavam na frente, por infantaria inimiga, á qual
se seguiu uma furiosa carga de cavallaria que veio esbarrar contra aquelle
Batalhão, abrindo-se em duas alas, as quaes desfilaram a todo galope de um lado
e de outro de nossa força, procurando penetrar na bagagem. O fogo que então sofreu o inimigo foi terrivel. Cada Batalhão formou quadrado com rapidez
espantosa, indo muitos cavalleiros morrer espetdos nas pontas das bayonetas do
intrepido Batalhão n. 21. A Artilharia
mettendo em bateria com extrema velocidade, fez fogo mortifero de granada sobre
a cavallaria paraguaya, que deixava o campo alastrado de mortos e feridos. A perda do inimigo não foi inferior a 70
homens; a nossa foi de 19 mortos e 29 feridos,nos numeros dos quaes constam o
Tenente do Batalhão n. 17, Joaquim Mathias de Assumpção Palestino que faleceu
dois dias depois e Raymundo Fernandes Monteiro, que portou-se com muita
intrepidez. Ainda essa vez como sempre,
o campo ficou em nosso poder, dando-se sepultamento aos mortos e
recolhendo-se os feridos.
Um soldado paraguayo ferido declarou que o
commandante da força inimiga era o Major Martinho Urbieta e que o reforço
esperado por este e pedido depois de conhecidos os movimentos da força
brazileira, havia chegado, devendo-se reunir com brevidade outra que já se
encontrava no caminho.
Uma circunstancia veio depois entristecer os
espiritos depois de acabada a animação
d’aquelle glorioso combate: o gado que
era trazido enconstado ao flanco direito da força, havia desembestado com o
estrondo das descargas, assim com os poucos cavallos que serviam para tangel-o
. Eram os recursos de bocca que
escasseavam por modo desanimador,
deixando a nossos soldados a perspectiva de 25 leguas de marcha com o inimigo
sempre a frente e sem esperança de renovação de boiada.
5.3.4.5 A mudança de Direção
A mudança de direção
- ao invés da estrada que ligava
à Colônia Militar de Miranda, procurou o caminho na direção da Fazenda Jardim
de José Francisco Lopes.
Esse facto importantissimo, influiu poderosamente
para que o Coronel Camisão tomasse então uma resolução que veio para o futuro
crear novos e terriveis obstaculos a facil retirada das forças.
Achava-se como guia entre nós o excellente pratico
José Francisco Lopes o qual de há muito
conhecedor dos terrenos do Apa e suas visinhanças, apresentou a possibilidade
de conduzir a força por lugares
retirados da estrada com seis dias de marcha á Fazenda Jardim que lhe pertencia
e a qual dista de Nioac 9 leguas.
As vantagens d’este desvio, era em primeiro logar, o
encurtimento de viagem, pois elle promettia levar a força em 8 dias a Nioac e
ainda abrir uma estrada de recursos, completamente desconhecida pelos
paraguayos e onde poder-se-hia apanhar o gado que fosse encontrado n’aquelles
terrenos, que segundo afiançava o mesmo pratico, era abundante. Além d’isso, arredava-se o inimigo do
caminho de Nioac, onde sabia o Coronel, acharem-se muitos carros e mantimentos
que vinham ao nosso encontro, obrigando os inimigos a nos acompanharem por logares que elles mal conheciam.
Tomaram, pois, as forças nova direcção, abrindo os
pés de nossos soldados, uma estrada por terrenos nunca d’antes trilhados.
As razões apresentadas acima são as ponderações
justificativas d’aquelle passo; entretanto, outras lhe eram bem contrarias e os
acontecimentos futuros demonstraram a toda evidencia que houve erro fatal na
escolha d’aquella direcção. Perderam
com elle os nossos soldados bôa parte da força moral, abandonando a estrada
para irem trilhar logares cobertos de matto ou campos não bem conhecidos, que
souberam aproveitar com habilidade.
O Coronel Camisão, foi sempre
guiado pelo desejo ardente em poupar fadigas e incommodos ao soldado e n’aquelle passo, houve tão sómente
confiança desmedida em
promessas que não se verificaram e que um conjuncto de circunstancias muito
especiaes tornaram irrealisaveis.
A marcha, pois, tomou novo
rumo, cortando o Pratico42, rumo ao Norte, para ganhar o ponto
denominado Jardim, cinco leguas adiante
da Colonia de Miranda e nove leguas distante de Nioac.
O primeiro dia de marcha foi por
cerrados, ficando assim inutilisados os
meios de acção da cavallaria e artilharia inimiga, o que nos poupava o
argumento de gravame de bagagem, consideração que pesou também no animo do Coronel Commandante. Entretanto, com difficuldade caminhava a
nossa força, vencendo, apesar de andar o dia inteiro, muita pequena distancia
no bom rumo.
No dia seguinte, passaram-se as cousa do mesmo
modo, do corrego José Carlos, n’uma
mattinha, que foi logo cercada pela cavallaria inimiga, a qual nos acompanhara
de longe. Conquistou-se a agua a
tiros, e a força passou a noite em
alarme.
No dia 13 de maio43
cahiu uma chuva torrencial que impossibilitou a marcha, tornando os
terrenos que deviamos atravessar, quasi intransitaveis e fazendo sofrer a nossa
soldadesca extremamente pela falta de fardamento. N’esse pouso, decidiu o Commandante das
Forças a reducção da bagagem,o que foi executado pelos officiaes com a maioar
bôa vontade e espontaneidade. Os seus
animaes de carga passaram a servir no transporte do cartuxame e todos
abandonaram as poucas commodidades de que ainda gozavam, em consideração ao bem
geral.
A 14 recomeçou a marcha que em
breve tornou-se penosissima, pelo estado
dos terrenos e pelo novo meio de guerra que adotarão desde então os
paraguayos para impedir-nos a continuação da viagem: lançavam fogo aos campos,
os quaes reseccados pelo sol ardente de dias de trovoadas ardiam com
intensidade extraordinaria, cercando-nos por todos os lados de calor abrasador
e fumaça asphyxiante. O vento Norte
que soprava constantemente n’este mez,
ainda mais critica tornava a posição da nossa força.
Protegidos pela fumaça, vinham então tiroteiar-nos
vivamente, respondendo os nossos soldados com grande tenacidade e
constancia. No pouso, esta scena
repetiu-se, recebendo a força em massa durante muitas horas um chuveiro de
balas partindo por dentro de denso rolos
de fumo.
No dia subsequente,os inimigos, procuravam
deter-nos, fazendo fogo vivo, encobertos por accidentes de terreno, enquanto
passava a nossa pesada bagagem um difficultuoso banhado.
A resposta de nossa parte
trouxe-lhes, entretanto, a convicção de que nunca poderiam fazer-nos frente,
pois que as pontarias certeiras de nossos soldados se succediam ao passo que as
d’elles eram todas incertas e os tiros precipitados.
Continuaram, pois, o systema de
guerra desleal que haviam adoptado detendo-nos pelas queimadas dos campos
durante muitas horas em que era impossivel a marcha.
Os transes por que passaram a força, commeçaram
a ser horriveis. A boiada dos carros
era de há muito morta para sustento das praças e regulada de
modo que já muito soffriam ellas da falta de alimentação. Officiaes e soldados enfraquecidos, assim
eram comtudo, obrigados a extrema vigilancia na guarda dos acampamentos, aos
trabalhos em construir pontes e fazer rampas nos ribeirões e corregos que
encontravamos engrossados pelas continuas chuvas. A inclemencia do tempo era
desanimadora. Marchavam os nossos
soldados ora em pantanaes, ora em campos que o fogo devorava n’uma larga extensão.
5.3.4.6 O Cólera-morbo (44)
No dia 18 de maio, houve um novo tiroteio,
retirando-se o inimigo, apenas começou a trabalhar a artilharia que elle respeitava extremamente. N’este dia começaram aparecer com mais
frequencia os casos de uma molestia que os dous distinctos facultativos da
força, duvidaram por dias, apesar de seus syntomas irrecusaveis em qualificar,
e que em breve tornou-se um flagello medonho, capaz de causar a desorganisação
dos mais bem constituidos exercitos.
Era a Cholera Morbus, que fazia
a sua apparição, grassando repentinamente nas fileiras de nossos soldados
reduzidos á susceptividade morbida, depois de soffrimentos extraordinarios.
As causas e marcha d’esta
epidemia vão minuciosamente descripta na parte do medico a qual acompanha esta
exposição.
A progressão crescente da
enfermidade foi assustadora.
No dia 19 de maio de continuo
tiroteio, os atacados pela epidemia, eram ja
em numero extraordinario, as victimas, em poucas horas perecciam no meio
de dores crueis chegando a ser summamente difficil o transporte dos doentes de
pouso a pouso, apesar de marchas muitas vezes de menos de meia legua.
A 20 de maio, o fogo inimigo
durou desde a manhã até as quatro horas da tarde, respondidos rigorosamente
pelos nossos que então luctavam com a cholera, com a fome e com o excesso de
cansaço proveniente do serviço de guerra aggravado pela necessidade em
carregarem os seus companheiros, visto como a boiada dos carros que se ia carneando, obrigava a queimar
aquelle meio de conducção. N’essas
penosas contigencias marchou a força debaixo de chuvas repedidas durante os
dias 21, 22, 23, 24 e 25 de maio, em que chegou ao corrego Prata, a 3 ½ leguas
do Jardim45.
Então, o numero de enfermos era tal que litteralmente metade da força
era empregada em carregal-os, pois que
cada piola occupava oito homens em sua conducção. O descontentamento e a fadiga da soldadesca
eram evidentes. Os sãos depois de
poucas marchas cahiam exhaustos pelo
cansaço aos golpes da molestia; o estado geral, reclamava uma prompta
solução.
O Coronel Camisão, tomou então uma medida de que
dependia a salvação do resto da força, medida cuja execução foi horrorosa e
custou-nos momentos angustiosos e crueis.
A 26 de maio ficaram abandonados
76 moribundos,os quaes apenas moveu-se a força, foram degollados pelos
paraguayos que seguiam-nos sempre em certa distancia.
Monumento Cambaracê, local do abandono dos coléricos. Foto CAT/Jardim/MS.2009
Scena
medonha que fica indelevemente marcada no espirito d’aquelles que ouviram os
gritos dos miseros cholericos!
Quadro horroroso, que a sorte
adversa nos proporcionou na mais extraordinaria collisão!
5.3.4.7 As despedidas de José Francisco Lopes, O GUIA LOPES
Fotografia do atual
Cemitério dos Heróis da Retirada da Laguna, situado a margem esquerda do rio
Miranda, em terras da antiga Fazenda Jardim de propriedade de José Francisco
Lopes, o Guia Lopes e de Dona Senhorinha Maria da Conceição Barbosa Lopes,
atualmente Município de Jardim-MS./2009
A divina providencia permittiu que aquella
coincidencia fatal se d’esse no mesmo dia em que muitos dos nossos soldados de
cavallaria pisaram terrenos que lhes eram conhecidos.
D’esde então, tomei as mais energicas providencias
sobre os meios de passagem do rio Miranda, que se achava muito cheio. Affogando-se por occasião da transposição
duas praças e o Srn. Capitão Antônio
Dionizio do Souto Gondim, arrebatados
pela muita correnteza das águas.
Procurei, d’esde logo impedir o
desanimo que lavrava, sobretudo conter o espirito de desobediencia que dia em
dia pronunciava mais claramente.
Transposição do
rio Miranda, demonstração efetuada pela marcha cívico cultural, Retirada da
Laguna, em julho de 1999, empregando uma Pelota feita de couro de boi, na qual
foram transportadas laranjas. Dessa forma reviveu-se o episódio das laranjas,
cujo consumo, permitiu a cura dos doentes coléricos.
O soldado brazileiro é facilmente facil em
sujeitar-se e subordinar-se. Alguns
actos de vigor vieram calar no espirito de todos, produzindo excelentes
resultados. Além d’isso, a molestia
reinante apresentou melhoras permittindo alento que foi logo por mim aproveitado a bem da disciplina.
Os dias 30 e 31 de maio e 1º de junho foram todos empregados
na passagem do rio48 que se conservou sempre cheio dando apenas
pessimo e perigoso vão. Com difficuldades
passaram as nossas tropas, as 4 peças e armões havendo sido queimados os carros
monchegos, forja e galera para dar carne as praças, como haviam decidido os
comandantes de corpos em reunião, do que existe acta, cuja copia tenho honra de
remetter a v. exa. Esforcei-me em
trazer as quatro bocca de fogo e consegui-o com grande satisfação.
Assim, pois, no dia 1º de junho
achavam-se as forças no lado direito do rio Miranda, com 9 leguas diante de si
em boa estrada para chegar a Nioac. Os
paraguayos haviam effetuado a passagem antes de nós e ja se achavam a nossa
frente.
Fotografia das árvores, figueiras,
centenária próximos as laranjais no local onde ficava a sede da Fazenda
Jardim de propriedade do Guia Lopes, onde as tropas brasileiras recolheram
muitas laranjas e limões, o que ajudou a combater a infecção do cólera morbo
que levou a morte do Guia Lopes, Coronel Juvêncio, Coronel Camisão e outros. Arquivo do Autor/ 2000
Comprehendi a necessidade urgente de marchas rapidas
sobre Nioac, por cuja sorte muito temia, apesar de saber que o official
commandante d’aquelle ponto, a frente de mais de cem homens, tinha
instrucção muito severas, corraboradas por um bilhete que o Coronel Camisão, a
24 de maio dirigira ao Snr. Coronel
Francisco Augusto de Lima e Silva, Chefe da repartição Fiscal e que ficara em
Nioac, para formar e promover o deposito
de viveres, ordenando a esse que se retirasse para logar segura com objectos da
Fazenda Nacional, ficando o official obrigado a resistir aos inimigos n’aquelle
ponto emboscando na matta.
5.3.4.9 A Marcha sobre Nioac
Deis por isso, ás 6 horas da tarde ordem de marcha
ás forças caminhando a noite inteira e chegando ás 3 horas do dia 2 de junho no
Canindé, a 3 leguas de Nioac.
Essa marcha forçada effectuou-se maravilhosamente,
apesar da chuva copiosissima que cahiu durante todo o trajecto e levando então
cada corpo os seus doentes.
No Canindé (49),
achei signais da passagem dos paraguayos.
Carros queimados, existiam no caminho, estando o chão coberto de farinha e arroz.
Ponte sobre o rio Canindé – Foto
CAT/Jardim/MS.
Vista
Parcial do Rio e da ponte do Canindé nos limites dos municípios de Guia Lopes da Laguna, Nioaque, Mato Grosso do
Sul, Brasil, a antiga estrada de acesso da época, por onde passaram as Tropas
Paraguaia na invasão de 1864; a resistência e confronto das tropas Brasileiras
sob o comando do Capitão Pedro José Rufino e do Tenente Coronel Dias da
Silva. Também por este caminho passaram
as Tropas brasileiras sob o comando do
Coronel Camisão em 1867. Deste ponto
seguia para a travessia de outro rio, o Santo Antonio. Acesso para
chegar a Nioaque. Imagem Google Earth Pro 2016.
Data da Imagem 23/04/2013 – Adaptação e copilação JVD.
A
soldadesca comeu enfim, apanharam tudo o que foi encontrado depois de 22 dias
de cruel fome, durante os quaes a ração de simples carne era tão diminuta que
repartia-se 4 a 8 rezes, em logar das 21 que habitualmente iam para corte!
A posição de Nioac era excellente
para defeza. Com poucos homens na
matta do Orumbeva, confluente d’aquelle rio, com os viveres de que dispunham o
deposito, poder-se-hia apresentar longa
e heroica resistencia.
Ao paraguayos que chegaram a
Nioac foram em muito pequeno numero e só entraram na povoação, quando
verificaram que ella se achava deserta.
É pois inqualificavel o
procedimento do commandante do destacamento de Nioac, Capitão Martinho José
Ribeiro, o qual desprezando as suas
intrucções que o obrigavam a defender a todo o transe o ponto que
comandava e a nova e expressa ordem do seu chefe, abandonou covardemente o seu
logar de honra.
Fotografia da finalização da Marcha Retirada
da Laguna, em Nioaque, julho de 1999.
Nesta ocasião, houve a explosão da maquete da igreja, simbolizando o
último ardil dos paraguaios, ocorrido em 11 de junho de 1867, na segunda
ocupação do Povoado de Nioac (Nioaque). Arquivo do Autor. 1999.
Por esse procedimento perdeu a Fazenda
Nacional grande porção de viveres destinadas a estas praças, alguns fardamentos
de praças e outros objectos que uma duzia de paraguayos encontrou em abandono na casa que servia de
deposito. O senhor Coronel Francisco
Augusto de Lima e Silva fez, como tinha ordem, recolher o cartuchame, a caixa
militar, papeis officiaes, alguns generos, etc., recahindo pois, tão somente
sobre o commandante de Nioac fraco e pusilanime, a responsabilidde de seu acto,
pelo que mando desde já sujeital-o a conselho de investigação e posteriormente
o de guerra.
Ainda em Nioac, esperava-nos nova
calamidade. No chão do deposito havia
ficado espalhada muita polvora que não poderia ser transportada. Apesar das mais energicas e reiteradas
recommendações, a imprudencia de um soldado provocou uma formidavel explosão
que queimou 13 praças, das quaes 6 faleceram poucos dias depois apesar dos cuidados que fiz observar
na conducção d’elles. Com a retirada
do Capitão Martinho José Ribeiro era impossivel a estadia em Nioac, reduzida
á cinzas.
Monumento aos Herois da Retirada da Laguna na Praça Central,Arquivo do autor, 2009.
Vista Panorâmica da entrada para o Atual Quartel em Nioaque, 9º GAC.
Arquivo do Autor 2010.
No dia seguinte, ordei tomar direcção ao ponto onde
se achava o Coronel Lima e Silva, fazendo desde então, muito regularmente
marchas de 2 ½ e 3 leguas por dia, sendo nós acompanhados
por uma pequena partida inimiga de observação, a qual retirou-se, quando nos
approximamos do rio Aquidauana.
... eis, exmo. Snr., a narração
succinta de tudo quanto occoreu ás Forças em operação no Sul da Provincia de
Matto-Grosso, d’este os primeiros dias
do mez de maio até a data presente.
Deus guarde V. Exa. - Quartel do Commando interino
das Forças Operadoras no Sul da
Provincia de Matto-Grosso.
Acampamento junto a margem
esquerda do Rio Aquidauana, 16 de junho de 1867.
Major Thomaz Gonçalves
Major da Comissão, Commandante
Interino das Forças.
Pobre Nioaque! Infaustos
Brasileiros!
Mais uma vez o testemunho de
Alfredo Escragnolle Taunay, Visconde de Taunay, nos retrata como foi a Segunda
ocupação do Povoado de Nioaque. Trata-se de uma
ocupação e não invasão, uma vez que a guarnição que deveria defendê-la a
abandona, sem que o inimigo pudesse oferecer perigo.
Além das narrativas já descritas,
contidas no relatório do Major Gonçalves, descreveremos outros trechos
extraídos da Obra de Taunay, “Retirada da Laguna e Cartas da Campanha de Mato
Grosso”.
“O oficial encarregado da defesa
de Nioac durante a nossa incursão em território paraguaio, ausentara-se da Vila
a 1º de junho sem que ali se tivesse notícias da aproximação do inimigo,
procedendo assim, contra as ordens determinantes de 22 de maio que lhe impunha
toda defesa, a todo transe de um ponto que era a nossa base de operação”.
“Assim abandonada passara a ser
presa dos paraguaios, isso eram dia 3 de junho de 1867. Quando os brasileiros esfomeados e cansados
das pesadas jornadas e pelo sacrifício imposto pelas necessidades de uma
sobrevivência miserável, encontraram-na toda saqueada e queimada, salva a
igreja, poupada, não por espírito religioso, mas pelo contrário, com fito de
utilizarem num ardil infernal, retiraram a sua infantaria ante a nossa
aproximação, entricheirando-se no cemitério.
Seguira-se então pela mata, em direção a um vau pelo Urumbeva, que a
Cavalaria reconhecera”.
“Sem preocupação com o inimigo,
fomos a toda pressa ver o que ainda havia sobrado a salvar”.
“Esta bonita povoação abandonada
e pela Segunda vez desde o início da guerra, devastada, convertera-se num
montão de destroços fumegante”.
“O grande galpão que, outrora
servira de armazém de mantimentos e ainda achamos de pé sobre esteios
incendiados, mostrava renques de sacos
que nossa gente, sem dúvida, não tivera tempo de carregar e já servira de pasto
ao fogo. O arroz e a farinha
carbonizados exteriormente, o sal, gênero este tão precisos e escasso no
interior do país, negrejara e fundira-se sob nossas vistas. Não pouparam esforços os nosso soldados em salvar o que puderam”.
“Aqui e acolá jaziam muitos
cadáveres, todos de brasileiros, fora um deles, de pés e mãos amarradas e
sangrando como um porco; havia outro crivado de chagas e uma velha estirada a
seus lados de goela aberta e seios decepados, nadavam no próprio sangue”.
“Foi quase toda a Coluna
acampar por esta noite atrás da
igreja. Sentia o Comandante feliz em
poder contentar os soldados com dupla e tripla ração. Restava-nos apenas, para nos por fora de qualquer perigo eventual,
fazer quinze léguas e caminhar por excelentes estradas de Nioaque a
Aquidauana, onde éramos esperados.
À noite foi calma e serena, contudo
prenunciava dever suceder.
Durante
a última estada em Nioac, depositáramos na igreja muitos e diversos objetos:
instrumentos da banda musical, munição de cartuchames e foi talvez, o que lhes
sugeriu a primeira idéia da horrível maquinação, que tanto lhes conduzia a
feição cruel.
Depois de carregarem o que mais
poderiam aproveitar deixaram o resto por destruir, para nos engodar e nos reter
o maior lapso de tempo possível em torno
de um amontoado de objetos sob o qual
colocaram um barril de pólvora com rastilhos.
Não podíamos ter a menor suspeita de semelhante cilada e a vista dos
cartuchos que deveríamos transportar, tomamos as precauções costumeiras, contra
as eventualidades de uma explosão.
Enquanto na igreja trabalhávamos, outro pessoal fazia a vigia contra
toda e qualquer espécie de fogo.
Contudo, um infeliz soldado,
encontrou pelo chão um isqueiro, dentro do edifício e lhe veio à estapafúrdia
idéia de o utilizar. Soltou logo uma
faísca sobre alguns grãos de pólvora dos que coalhavam a nave,
instantaneamente, foram os rastilhos, incendiados e ocorrera à explosão. Os soldados precipitaram em apagar o fogo, os
oficiais presentes, compreendendo melhor a situação, ordenara imediatamente que
fosse evacuada a igreja. Mas como se a
bruxa estivesse solta, antes que toda gente
se achasse de lado de fora, ocorreu a explosão, faltando pouco para que
o edifício voasse para os ares, onde todos os que se encontravam por ali
poderiam ficar sobre os escombros perecidos.
Terrível de se ouvir e sentir,
até no ponto distante em que nos achávamos com o comandante, foram os
estampidos e o abalo. Grande grito
acompanhou a explosão, seguida de silêncio e depois de novo e horrível clamor e
ainda pausa. Soaram os clarins,
julgando todos que era o inimigo, como na verdade eram. Os Corpos entraram em formatura. Já nos precipitáramos para a igreja dela saiam dentre turbilhões de fumo irreconhecíveis
formas, fantasmas enegrecidos e avermelhados pelo fogo. Ardiam uns com as roupas em chamas, outros
completamente nus e cuja pele pendia em frangalhos, soltavam urros, alguns
ainda rodopiando como alucinados, já se debatiam na angústia da agonia. Morreram ali mesmo no local uns quinze
desventurados.
Foi o adeus dos paraguaios, a sua
última demonstração do seu ódio contra nós, sem nos abandonar de todo,
porfiavam, contudo, em só de deixar entrever fora do alcance.
A 5 de junho de 1867, ao raiar do
dia, saímos da infeliz e bela Nioac, afinal aniquilada com a igrejinha,
seguíamos a estrada do Aquidauana e marchávamos penalizados sob a impressão do
funesto sucesso da véspera”.
Declara-nos o autor do Livro
“Retirada da Laguna”, Visconde de Taunay, nos seus dias de Guerra e de Sertão,
no dia da invasão do território
paraguaio, em abril de 1867, era o efetivo da Coluna de 1680 homens e 11 de junho de 1867, reduzira-se
para 700 combatentes.
Morreram além deste grande número
de combatentes, ainda muitos índios, mulheres e homens, negociantes ou
camaradas, que haviam acompanhados a marcha agressiva das Tropas.
41 Maio de
1867.
42 José
Francisco Lopes
43 Maio de
1867.
44
Cólera doença infecciosa caracteriza por vômitos, diarréia, cãibras. É uma moléstia infecciosa aguda, fortemente
contagiosa, produzida por um bacilo
ligeiramente curvo, que, pela sua forma, é chamado bacilo vírgula. Descoberto por Kock em 1883.
A cólera começa com náuseas, insônia e arrepios seguidos de uma diarréia
violenta e repetida acompanhada de vômitos e de vertigens. Alguns dias depois o doente queixa-se de
zunidos nos ouvidos, palpitações no coração, peso no estômago, expressão de
angústia e palidez na face. Os
intestinos apresentam-se vazios sem dor, com descargas semelhantes à água de
arroz. A dor no estômago e sobre o
coração é muitas vezes insuportável, cãibras nas barrigas das pernas e nos
braços. A sede é contínua e
violenta. O doente cai em algidez. Muitas vezes as urinas são suprimidas. O doente cai numa sonolência depois em
estado comatoso e morre ou pode
repentinamente melhorar e então ir para a convalescença ou cair no coma
fatal em poucos dias. (Baseado na Enciclopédia Didática de Informações e
Pesquisa Educacional, vol. 3, 1987. p. 951).
45 Estas
terras pertencem ao atual Município de Jardim
46 Dia 27 de
maio de 1867.
47
Os túmulos onde haviam sido sepultados
os oficiais e José Francisco Lopes, seu filho e outros soldados, fica na
cidade de Jardim_MS., no local conhecido como Cemitério dos Heróis da Retirada
da Laguna.
48 Rio
Miranda.
49 O Rio
Canindé, afluente do Rio Nioaque, tem a
sua nascente nas terras do atual Município
de Guia Lopes da Laguna.
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